A propósito da recente edição na Relógio D’Água de Rebuçados
Venezianos, a ensaísta e filósofa Maria Filomena Molder deu uma entrevista a
Maria Leonor Nunes do JL. É uma das mais importantes concedidas pela autora de A
Imperfeição da Filosofia, nela abordando a sua evolução intelectual e as
relações entre arte e filosofia.
«— Lembra nesse texto de Rebuçados como se surpreendeu com os
bailarinos que caíam, quando sempre tinha acreditado que a dança queria evitar
a queda.
— Sim, a queda era uma falha, um desacerto e ali era um
movimento desejado, sem dúvida controlado por uma técnica extraordinária. O
coração da arte é a técnica. No caso, saber como fazer do corpo um instrumento.
Para cair, por exemplo.
— E poder-se-á dizer que o seu pensamento “dança”?
— Talvez o que eu faça seja um substituto dessa
impossibilidade. O pensamento tem tendência a aguentar-se no ar, sem ter em
conta a força da gravidade. Esse é um dos seus perigos (risos). Hermann Broch
tinha uns oito anos quando, como sucede com outras crianças, lhe aconteceu
aquilo a que chamou “cair em si”, perceber que um dia ia morrer. Recorda na sua
autobiografia que estava a brincar num bosque, perto de Viena, e percebeu que
estava sozinho no mundo. Descobriu a solidão da vida humana e que a morte é um
acontecimento literário. O pensamento é uma tentativa de superação, uma espécie
de protecção contra a morte. Move-se numa área em que ninguém pode viver. Esse é
um risco.
(…)
— O “estranho” sempre a atraiu. Porquê?
— Escrevi-o a propósito da minha adolescência. Em geral, o
adolescente está espontaneamente preparado para saltar para fora do que lhe
ensinaram, para criticar, recusar. Mais tarde compreendi que realmente gostava
do que não percebia. O estranho atraía-me. Pessoas que não compreendia, obras
quase ilegíveis, em cuja leitura persistia.
(…)
— O que a levou a juntar estes textos em Rebuçados
Venezianos?
— Já tinha publicado um conjunto noutro livro sobre arte e
artistas, que incluía textos sobre Ana Vieira, Helena Almeida, Rui Chafes e
também sobre o texto de Walter Benjamin Mancha e sinal, uma matriz excepcional
sobre a diferença entre a pintura e o desenho. A certa altura, percebi que
tinha escrito sobre muitos artistas, depois de 2000, e pensei juntá-los noutro
volume.» [JL, 12-10-2016]
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