«O que não a deixava dormir era também o perigo que respirava no ar, a inquietação que lhe vinha das sombras da noite, dos vultos que rondavam lá fora debaixo da janela, que faziam ranger as tábuas do corredor e vinham experimentar a porta do quarto, eram as vozes que não conhecia e ciciavam pelo buraco da fechadura, gemiam o nome dela, fazendo-lhe calafrios de terror. Muitas vezes não era talvez ninguém, era o sangue de todos aqueles homens mortos de cansaço, àquela hora estendidos a dormir, mas cujo desejo se levantava e vinha como um fantasma chamá-la com um carinho que eles não sabiam ter, com uma doçura tão penetrante que a fazia estremecer num arrepio também quase de desejo, a fome dos machos sequiosos que ela sentia pegar-se-lhe à carne, e que quanto mais queria sacudir de si mais lhe ia amolecendo a vontade.» [De «Rio Turvo»]
Rio Turvo inclui, além do conto homónimo (com adaptação cinematográfica de Edgar Pêra em 2007), os textos Jack, As Mãos Frias, Um Pobre Homem, A Sombra, A Prova de Força, A Estátua e O Involuntário.
Rio Turvo e O Barão estão disponíveis em https://www.relogiodagua.pt/autor/branquinho-da-fonseca/