[fotografia de Luís Barra]
No último
número do suplemento E do Expresso, Luciana Leiderfarb entrevista Maria
Filomena Molder.
«Numa
conferência dizia que o leitor é aquele que relê. Que o “não entendo” é não
reconhecer que “a opacidade encontrada é a matriz de onde se tem de partir para
voltar a ler”. É assim?
E o maior
engano é a empatia. A empatia é um instrumento de familiaridade imediata que
pode impedir a compreensão. Sentimos tanto que aquilo é assim que não fazemos
nenhuma análise. E a leitura inclui esse momento destrutivo da análise, a
decomposição do que se tem. Enfrentar a opacidade implica destruir o texto.
Alberto
Manguel contava que só conseguiu ler A Divina Comédia aos 60 anos,
após muitas tentativas goradas. Quando é que se está pronto?
Tem que ver
com esperar a boa ocasião. Tenho muitas experiências semelhantes a essa. Também
não li Dante quando era nova.
Mas leu
Nietzsche insistentemente, mesmo sem perceber. Continuava.
Li muito nova
A Origem da Tragédia e Assim Falava Zaratustra. Era como
provar um vinho estranho, uma comida desconhecida, que amargava a boca. Sem
conseguir parar. Depois só o voltei a ler anos mais tarde. Em relação à Divina
Comédia, já tinha 50 anos quando li a edição do Vasco Graça Moura. Fiquei
absolutamente varada e não sei se teria conseguido lê-la mais nova. Não se sabe
quando estamos prontos. Sei que estamos prontos para continuar e depois começar
quando uma coisa nos toca. E isso não é empatia, é sentir que aquilo vai entrar
na nossa vida. Por vezes, entrar num texto é entrar num descampado. Temos medo,
mas continuamos.»
Na Relógio
D’Água, Maria Filomena Molder tem editados Semear na Neve; Matérias
Sensíveis, A Imperfeição da Filosofia; O Químico e o
Alquimista — Benjamin, Leitor de Baudelaire; As Nuvens e o Vaso Sagrado.
O próximo
título, Rebuçados Venezianos, sairá em Setembro.
«“Rebuçados
Venezianos” é o título de um texto sobre a obra de Luísa Correia Pereira, uma
pintora de quem fui amiga. E este texto é póstumo – ela não o pôde ler. Uma
vez, a Luísa comprou em Murano uns rebuçados feitos de vidro e ofereceu alguns
ao Jorge [Molder, o marido], que os fotografou para a série The Secret Agent.
Entretanto, ela fez um pequeno óleo chamado Rebuçados Venezianos, que nós
comprámos. É um nome que implicava uma série de nexos. É como uma discussão
entre mim e ela – em que ela ganhou. Entre a arte e a filosofia, a arte ganha.»
[Expresso,
E, 28/5/2016]