Em 2011, editores, críticos e até autores insistiram nos gestos habituais como se nada à sua volta se houvesse alterado.
O novo Acordo Ortográfico foi recebido com a mesma resignada acrimónia com que o camponês acolhe o mau tempo. E o lançamento de plataformas para distribuição de e-books quase não evoluiu, deixando-se a iniciativa dessa reestruturação do sector a empresas que lhe são alheias, como a Google.
Editores
Na edição há a destacar a feliz entrada na ficção portuguesa da Tinta-da-China, com obras de Maria Dulce Cardoso e Mário de Carvalho, e as publicações da Ahab, que prolonga nas suas escolhas a lacónica exactidão do seu nome.
Algumas editoras de poesia, da Averno à Alma Azul, lançaram novos autores, interessantes mas a necessitarem de confirmação.
As ex-editoras independentes, integradas na Leya ou na Porto Editora, usaram os meios financeiros acrescidos de que agora dispõem para disputarem autores às editoras que se mantiveram à margem do processo de concentração. O resultado foi o agravamento da crise de algumas destas e que o ensaio, sobretudo o relacionado com o actual estado de coisas, fosse ignorado num autismo editorial sem paralelo europeu.
Dois acontecimentos singulares abalaram a vida editorial.
O primeiro foi o desmoronamento da Babel — quem não se lembra do seu conselho editorial integrado por dezenas de intelectuais e da meteórica ascensão do seu director a presidente da APEL?
O episódio parece nada ter a ver com uma qualquer maldição bíblica, mas com a tentativa de aplicar métodos de gestão financeira a um sector com regras próprias. Nem Pessoa, nem Heinrich Böll ou os seus leitores parecem dar-se bem com túneis megalómanos como o que a Babel levou à feira do livro de Lisboa.
Outro acontecimento significativo ocorreu com a Difel. O seu fim e rápida dispersão dos despojos, de Umberto Eco a Isabel Allende, revela a vulnerabilidade de catálogos baseados na ficção traduzida, num período em que as agências internacionais impõem contratos com prazos de vigência cada vez menores.
Críticos
Os críticos continuaram a privilegiar no seu balanço anual a ficção, poucos deles se mostrando disponíveis para lidar com o ensaio e a ciência.
Nesta paisagem pouco diversa, não é de estranhar que se tenha confirmado a importância de um crítico e um escritor que não concebem ficção sem ideias.
É o caso de Rogério Casanova, sempre brilhante quando não troca o seu papel de crítico com sentido de humor pelo humor sem sentido. Um exemplo é dado pelos textos que publicou na Ler de Janeiro de 2012. Além da análise que faz sobre Vida e Destino, de Vassili Grossman, escreveu o artigo mais consistente que sobre o recém-falecido Christopher Hitchens saiu na imprensa portuguesa. Ao contrário de textos acríticos e até de algumas colagens, Rogério Casanova fala da banalidade de um trajecto político feito entre o estrépito das polémicas e de erros de análise que não diminuem o interesse pelas reflexões que os acompanharam.
Na literatura a confirmação é Gonçalo M. Tavares, em deliberada ruptura com as tradições sentimentais da literatura portuguesa, uma linguagem despojada que soube integrar no seu universo pessoal as tradições do romance centro-europeu de entre guerras, de Kafka a Robert Walser.
E 2012?
Nada, neste início de ano, anuncia alterações drásticas no sector editorial.
Apenas, como é usual em períodos de crise, os editores reduzem os títulos e as tiragens e os livreiros alargam as promoções. Alguns dos fãs de José Rodrigues dos Santos e de Margarida Rebelo Pinto parecem começar a ter dúvidas se eles serão mesmo esses génios da literatura cujo último romance é preciso comprar a correr. Esta dúvida seria mesmo um dos poucos sinais de esperança para a literatura neste início de 2012.
Francisco Vale