«Elena Ferrante escreve literatura
feminina? É difícil aceitar que estamos perante uma literatura de género. Uma
aproximação despida de preconceitos não permitirá essa afirmação. Até porque há
tantas outras relações nesta tetralogia além da relação das duas mulheres e das
suas lutas exclusivamente femininas. Os livros são, de facto, intensos,
violentamente pessoais. Mas são também parte da história do século XX e do
percurso de sobrevivência de uma classe desfavorecida. As lutas são as de quem
nasceu pobre. A batalha é a de classes. O conflito é o de quem ensaia uma
identidade querendo apagar as raízes das quais se envergonha. O dilema
define-se entre os que partem e os que ficam. A vontade é a de transcendência
de estatuto imposto à nascença, impregnado no sotaque, nas obscenidades do
dialeto com que se aprendeu a amar, a odiar. E se tudo isto é napolitano, nada
disto é um exclusivo dos napolitanos: “Aquilo que devia mudar, na opinião dela
[Lina] era sempre a mesma coisa: de pobres devíamos passar a ricas, de não
termos nada devíamos passar ao ponto de ter tudo”.
Não sendo a política o assunto, a
política está sempre subjacente. De um modo mais subtil encontra-se na forma
como os homens dominam as mulheres, no modo como as mulheres fogem à velha
submissão do sistema patriarcal para cair de imediato na ratoeira de outros
formatos de obediência não muito distantes da ordem tradicional, nas batalhas
nas quais os homens se digladiam e por vezes perecem, na fuga a modelos
impostos pela sociedade para cada um dos géneros. De um modo mais escancarado,
está nos movimentos sindicalistas, comunistas, fascistas... nos atos
terroristas em que as personagens se envolvem ou na história italiana dos
últimos cinquenta anos do século XX.» [Cristina Margato, Expresso, 14/5/2016]
Sem comentários:
Enviar um comentário