«Na Introdução conta-se a seguinte história: estava Clarice Lispector
no aeroporto de Brasília, em plena ditadura militar, quando foi demoradamente
revistada. Ela perguntou: “Tenho casa de subversiva?” Ao que a segurança
respondeu: “Até que tem.” Não é por acaso que Benjamin Moser, biógrafo da
escritora, se lembrou de a referir no texto que precede Todos os Contos
(Relógio D’Água), o título da primeira e única integral dos contos de Clarice.
Porque desde o primeiro de todos os contos (“O Triunfo”), escrito aos 19 anos,
até ao derradeiro, póstumo e fragmentado, ela é sempre aquela voz estranha,
colossal, inadaptada, um centímetro atrás ou à frente de si mesma. Uma mulher
que escreve quando poucas o faziam, e que escreve em parte sobre o que mal se
considerava matéria literária – a vida de uma mulher, com filhos, com marido,
que “fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do mundo”, em quem a
simples visão de um homem cego, pela janela do autocarro, pode desencadear uma
viagem “ao pior” de si mesma. Uma mulher, como diz Moser, desprovida de uma
tradição, imigrante no duplo sentido de ter nascido noutro país que não o da língua
que falava e escrevia (e amava) e de ser suficientemente “subversiva” para ter
o desplante de ingressar em Direito no Rio de Janeiro, onde só estudavam mais
duas mulheres e nenhum outro judeu além dela.» [Luciana Leiderfarb, Expresso,
E, 7-5-2016]
11.5.16
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