«A determinada altura do extraordinário quarto romance de Jenny Erpenbeck, “Kairos” (2021), vencedor do Booker Internacional, diz-se que “as nossas tragédias pessoais (…) não são as que comovem o mundo”. A frase faz sentido na boca de cidadãos da República Democrática Alemã, isto se as personagens seguissem a tese marxista de que o individual é secundário face ao colectivo. Mas se há lição a retirar de “Kairos” (e o livro gosta pouco de lições) é que são justamente as tragédias individuais as mais comoventes. De modo que o caso amoroso entre Hans, um intelectual, e Katharina, uma estudante, iniciado em 1986, tem mais importância do que os importantíssimos acontecimentos que levaram à extinção da RDA. […]
O amor deles nunca deixa de ser exaltante e destrutivo. Pela diferença de idades e expectativas, pelo necessário segredo, pela fidelidade que ele exige mas não pratica. E por causa dos jogos sexuais, alguns violentos, talvez uma outra forma de servidão voluntária. Não existindo propriamente enredo, há a história dele e dela enredados um no outro e num tempo histórico, conversando sobre medos e desejos e sobre Heine, Hölderlin, Lenine, Brecht, Heiner Müller. O amor deles vive de júbilos e separações, ela subjugada, ele lúdico ou controlador.» [Pedro Mexia, E, Expresso, 17/1/2025: https://expresso.pt/revista/culturas/livros/2025-01-16-berlim-leste-1986-um-amor-entre-muros-assim-e-kairos-de-jenny-erpenbeck-vencedor-do-booker-international-902acac7]
Kairos (tradução de António Sousa Ribeiro) e Eu Vou, Tu Vais, Ele Vai (tradução de Ana Falcão Bastos) estão disponíveis em https://www.relogiodagua.pt/autor/jenny-erpenbeck/
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