«Ao anoitecer, regressei ao hotel, rendido. Jantei no quarto, mas a minha curiosidade era mais forte que o cansaço e, após outro banho, lancei-me de novo à cidade. Encontrei muitos vultos brancos deitados nos passeios: homens e mulheres que não tinham casa. Apanhei um táxi e percorri zonas desertas e bairros populosos, ruas animadas pela dupla febre do vício e do dinheiro. Vi monstros e cegaram-me relâmpagos de beleza. Deambulei por ruelas infames e assomei a bordéis e barracões: putas pintalgadas e gitões com colares de vidro e saias de cores garridas. Vagueei por Malabar Hill e os seus jardins serenos. Caminhei por uma rua solitária e, no fim, uma visão vertiginosa: lá em baixo o mar negro batia nas rochas da costa e cobria-as com um manto fervilhante de espuma. Apanhei outro táxi e voltei às redondezas do hotel. Mas não entrei; a noite atraía-me e decidi dar outro passeio pela grande avenida que bordejava os cais. Era uma zona de calma. No céu ardiam silenciosamente as estrelas. Sentei-me ao pé de uma grande árvore, estátua da noite, e tentei fazer um resumo do que tinha visto, ouvido, cheirado e sentido: enjoo, horror, espanto; assombro, alegria, entusiasmo, náuseas, invencível atração.»
Vislumbres da Índia, de Octavio Paz (trad. José Colaço Barreiros), está disponível em https://relogiodagua.pt/produto/vislumbres-da-india/
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