31.12.20

Sobre Acidentes, de Hélia Correia

 


«O livro arranca desde logo com uma reflexão sobre as palavras, aquela que é a sua condição, e Hélia começa por aí porque sabe que o que é próprio deve ser aprendido não menos do que aquilo que é estranho, e chama-lhe “Esmola”, a este poema, e começa por indiciar o estado em que se encontram, de tão vulgarizadas, desentendidas, gastas ou mesmo podres: “Lançai-me uma palavra, como alguns/ atiram côdea aos cães.” Mais à frente, toma-a, a essa palavra, dizendo que a recebe como um animal abandonado e ferido, e que, “não sabendo onde encontrar abrigo/ nem alimento,/ dormirei com ela,/ ouvindo-a murmurar,/ enquanto os bosques/ vão crepitando e a cinza/ nos recobre.” […]

Este arranque é a chave. E este livro é como uma longa meditação poética, composto por alguns ciclos, e também por um ou outro poema desses movidos pelas circunstâncias, como a bela homenagem a Herberto Helder, celebrando a passagem desse caçador encantado entre nós, o exemplo de como superou o que há de mais trágico para nós: a mesquinhez da morte.

O livro é todo ele dedicado ao esforço de quebrar este feitiço potente que nos domina, o de uma forma de opressão que se apossou dos nossos anseios e desejos, dominou os nossos comportamentos, destituiu a linguagem, assim desarmando a nossa consciência e até a experiência das coisas, de modo que damos por nós naquele estado de inanição que é uma forma de exílio, o mais rigoroso de todos, aquele que nos priva da própria clareza das palavras, e que Hölderlin formulou nestes termos: “quase perdemos a palavra em terra estrangeira”.» [Diogo Vaz Pinto, i, 28/12/2020. Texto completo aqui. ]


Acidentes e outras obras de Hélia Correia estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/helia-correia/ 


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