18.1.19

Hélia Correia entrevistada por Paulo Serra, no Cultura Sul, a propósito do seu mais recente livro, Um Bailarino na Batalha





«— Nas suas outras obras são as mulheres que irradiam um brilho dourado e imbuídas de magia. Mas neste texto, em que durante a migração as personagens se vão transformando, temos homens que sofrem uma metamorfose e ganham capacidades.
(Risos) Não faço a mínima ideia, nem sequer me tinha apercebido disso… Há uma quase simbiose com o animal, o velho que se transforma em águia, o Tariq que se transforma em serpente e o Erend é o que cria luz.
É muito engraçado porque o ponto de vista feminista e de literatura de género receberam os meus livros como algo muito significante do ponto de vista que lhes interessa. As figuras das mulheres muito fortes e os homens fracos. Os ambientes femininos. Certas correntes interpretativas tentam juntar isso ao biografismo e à história de vida da mulher. É muito engraçado porque eu não tive experiência nenhuma de vida feminina. As grandes figuras da minha vida são masculinas. Eu nunca fiz parte de alguma forma de gineceu, dos grupos de mulheres a contar as suas histórias, aquele lugar comum que se atribui à experiência de vida de uma pessoa do sexo feminino que escreve. Não tive educação sexista, não fui nada educada como rapariga para ser mulher. Tive uma educação progressista, laicíssima, pró-científica. E, no entanto, pelos vistos, os livros transmitem esse universo feminino que nada tem a ver comigo. Acontece, mas não sei como é, os textos para lá vão, mas a minha experiência biográfica é absolutamente estranha a tais ambientes.

Agora, se são os homens os mais fortes neste livro, trata-se de algo que também aconteceu no texto. Não houve nenhuma intenção da minha parte, nada pensei sobre isso, no furor da escrita, naquela ânsia de chegar a um sítio e libertar-me daquele escrever que é uma compulsão, uma obsessão que eu só me quero que termine porque estou presa durante o tempo da escrita. Provavelmente foram os nomes deles que lhes deram essa força… Sei que fiquei muito feliz quando vi que havia nas personagens um elemento animal forte porque isso para mim, na minha vida pessoal, é muito importante. O entrosamento com o animal e com o vegetal. A não-separação dos ditos reinos da natureza. E quando vi isso acontecer fiquei muito feliz e lembro-me desses momentos como se uma dádiva especial. Quanto ao menino com a visão não sei… Realmente eu não sou uma dialogante fácil quanto ao que escrevo. Quando saímos desse assunto e passamos a conceitos sociais e culturais, creio que me torno boa conversadora…» [Paulo Serra, Cultura Sul, 18/1/2019. Entrevista completa aqui.]

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