«Na Madeira, o autor da biografia de Clarice Lispector, "Porquê Este Mundo", admitiu que gostava de ver uma estátua da escritora brasileira junto à de Fernando Pessoa no Chiado, em Lisboa.
Ninguém fala de Clarice Lispector com tanto amor como Benjamin Moser. Autor da primeira biografia em inglês de Lispector, o norte-americano, que conversou com a jornalista Raquel Marinho no recente Festival Literário da Madeira (FLM), explicou que descobriu a autora brasileira por mero acaso, quando decidiu aprender português. A paixão foi arrebatadora e dura até hoje, tendo-o levado a percorrer todos os lugares por onde Clarice Lispector passou e a dar início à tradução a para inglês da obra da brasileira que, para ele, é uma das mais importantes do século XX.
Fluente em oito idiomas, Benjamim Moser contou esta quinta-feira no Funchal que, depois de ter fracassado em aprender chinês, decidiu voltar-se para o português porque “era o que havia disponível” para o seu horário. “Depois da gramática, começámos por estudar literatura luso-brasileira e não fiquei muito apaixonado”, admitiu no Teatro Municipal Baltazar Dias. “Já estava cansado.” Foi então que leu a novela A Hora da Estrela. “Essa mulher entrou em mim de maneira espetacular. Hoje ainda estou aqui a falar dela porque é uma paixão”, contou, emocionado.
Sobre a decisão de escrever a biografia de Clarice Lispector, Porquê este mundo: uma biografia de Clarice Lispector, editada em Portugal pela Relógio d’Água, Moser revelou que, como “em qualquer paixão, a pessoa quer saber quem o outro é, o que come, são perguntas banais”. Até o facto da pessoa “gostar de Beethoven e não de Elvis é um fator de grande fascinação”, admitiu. Foi essa curiosidade que o levou a querer saber mais sobre Lispector, a obra mas sobretudo a sua vida. “No Brasil há tendência de enterrar a vida que há na arte, por causa da visão académica, o que, para mim, lhe tira a vida e o coração selvagem, que é o que nos atrai na arte. Escrevo sobre ela, porque a amo, porque a quero conhecer”, afirmou. (…)
A morte de Mania [mãe de Clarice] foi a principal razão pela qual, segundo Benjamin Moser, Clarice Lispector, filha de judeus, se revoltou contra Deus. Só anos mais tarde é que conseguiu voltar a aproximar-se da religião. Até porque “a vocação não desaparece assim”. Para o biógrafo, é precisamente sobre isso que fala A Paixão Segundo G.H., “uma das obras-primas do século [XX] da língua portuguesa, onde é possível sentir “a náusea do encontro com Deus”. É pela sua importância para a literatura em escrita em português, que o biógrafo norte-americano gostaria de ver Clarice Lispector reunida com Fernando Pessoa. Esta quinta-feira, Benjamin Moser admitiu no Teatro Municipal Baltazar dias que tem um “sonho”, que é também um desafio: ver uma estátua da brasileira junto à de Pessoa na Brasileira do Chiado, em Lisboa.
Durante a conversa com Raquel Marinho, Benjamim Moser destacou ainda a forma como a escritora “deu beleza a histórias de pessoas desprezadas, no Brasil, sobre pobres, sobre a dona de casa que vai às compras”. Antes de Lispector, a literatura brasileira estava demasiado focada no seu próprio país, com “muito índio, muita floresta, muita cachoeira”. Precisava “de se abrir, de se tornar universal”, e foi isso que Clarice Lispector fez. Os seus livros podem ser difíceis de entender, mas Moser, que terminou recentemente a biografia de Susan Sontag, garante que entender Lispector “não tem nada a ver com formação ou inteligência”. “É uma coisa de sentimento e corpo. Posso apaixonar-me por uma pessoa e os outros não e não dá para explicar porque a amo. A solução é ler e ver o que acontece.”» [Observador, 16/3/18]
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