«Sensibilidade e Bom
Senso é uma Divina Comédia com menos esferas. Jane não desce muito
baixo, nem sobe muito alto, porque justamente a sua época era já um prelúdio à
medianização. Na esfera mais baixa, as pessoas de fortuna que voluntariamente
se cegam para não ter que ver a aflição dos mais próximos. É o personagem de
Mr. John Dashwood, uma involução de alma, que ousa proclamar a sua pobreza face
à aflição da sua família, advogando os gastos excessivos — e excessivamente supérfluos
— que o empobrecem. É o grande castigado. Willoughby, que se lança num flirt
com a romântica Marianne para depois a abandonar por uma mulher rica e
aborrecida, é menos punido, pois Jane perdoa mais facilmente um rapaz leviano e
gastador — que peca por agir sem pensar, ao sabor da satisfação dos seus desejos
— do que um calculista egoísta. Vêm a seguir as esposas cínicas e dominadoras,
que deliberadamente ofuscam a inteligência (já escassa) dos maridos, a fim de
preservarem a coerência dos bens e dos “valores” de uma família. Depois as
esposas “apolíticas”, que se fecham no papel de mães ou gestoras da casa,
demasiado ocupadas com as tarefas do “feminino” para perderem tempo com quem não
contribua para a economia familiar. E muito perto, a seguir, as amigas
interessadas que extraem das amizades informações.» [Leonor Baldaque, Ler,
Outono de 2015]
A Relógio D’Água publicou este
ano Sensibilidade e Bom Senso, de Jane Austen, em tradução de Paulo
Faria.
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