21.3.24

No Dia Mundial da Poesia

 




«IV. MORTE PELA ÁGUA


Phlebas, o Fenício, morto há duas semanas,

Esqueceu o grito das gaivotas, e a ondulação das profundidades

E os lucros e as perdas.

Uma corrente submarina

Apanhou em sussurro os ossos dele. Ao subir e descer

Passou os estádios da sua idade e da sua juventude

Enquanto entrava no redemoinho.

Gentio ou Judeu

Oh tu que rodas o leme e olhas a barlavento,

Lembra‑te de Phlebas, que foi em tempos belo e alto como tu.»

[De A Terra Devastada, de T. S. Eliot, trad. Gualter Cunha]





«IV


Um longo trato com a poesia

tornou‑nos

viciados em metáforas.

É tentador pensar em lobos:

não são lobos.

Nada está mais distante dos carnívoros

e da sua inocência, nada está

mais distante do que eles da natureza.

Se nos matarem, não será por fome,

não será pelos poços, não será

porque o frio da montanha lhes levou

a protecção da última gordura.

Não será porque as células empurram

para a sobrevivência, não será

pela combustão da vida.

Eles matarão

somente porque existe um pensamento,

como um tumor,

naquilo que os constitui.

Um pensamento onde há

poucas palavras,

como que inteiramente

militar.»

[De Acidentes, de Hélia Correia]


Poemas Escolhidos de T. S. Eliot (tradução de João Almeida Flor, Gualter Cunha e Rui Knopfli), Acidentes, de Hélia Correia, e os outros livros da Relógio D’Água estão disponíveis em https://www.relogiodagua.pt

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