«As folhas dos plátanos desprendem‑se e lançam‑se na aventura do espaço,
e os olhos de uma pobre criatura
comovidos as seguem.
São belas as folhas dos plátanos
quando caem, nas tardes de Novembro,
contra o fundo de um céu desgrenhado e sangrento.
Ondulam como os braços da preguiça
no indolente bocejo.
Sobem e descem, baloiçam‑se e repousam,
traçam erres e esses, ciclóides e volutas,
no espaço escrevem com o pecíolo breve,
numa caligrafia requintada,
o nome que se pensa,
e seguem e regressam,
dedilhando em compassos sonolentos
a música outonal do entardecer.
São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.
Eram verdes e lisas no apogeu
da sua juventude em clorofila,
mas agora, no outono de si mesmas,
o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,
deixou‑se trespassar por afiados ácidos.
A verde clorofila, perdido o seu magnésio,
vestiu‑se de burel,
de um tom que não é cor,
nem se sabe dizer que nome tenha,
a não ser o seu próprio,
folha seca de plátano.
A secura do Sol causticou‑a de rugas,
um castanho mais denso acentuou‑lhe os nervos,
e esta real e pobre criatura
vendo o solo coberto de folhas outonais
medita no malogro das coisas que a rodeiam:
dá‑lhes o tom a ausência de magnésio;
os olhos, a beleza.» [Poema das Folhas Secas de Plátano, pp. 266-7]
Obra Completa de António Gedeão e outras obras de Rómulo de Carvalho estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/produto/obra-completa-pre-venda/ e https://relogiodagua.pt/autor/romulo-de-carvalho/
Sem comentários:
Enviar um comentário