«Entre a cidade e a vila, entre o seu manuscrito e a inércia, assim vivia Benoni. Nada o ligava àquela pequena povoação do interior, excepção feita a um punhado de amigos chegados, também eles, na sua maior parte, visitantes de ocasião, que para ali confluíam periodicamente. Quanto ao resto, nem memórias, nem aspirações, muito menos raízes. Talvez por isso mesmo não acreditava que a atracção sentida por aquele lugar pudesse ser apenas um capricho persistente ou um efeito secundário. Sem hesitar, e sempre que lhe era possível, largava tudo e vinha ali passar uns dias.
(…)
Era naquela época que despontavam as flores, as invejas e os amores. As flores, naturalmente, as invejas, lentamente, os amores em sobressalto. Benoni nem se atrevia a tentar calcular quantos palermas faziam a corte à jovem Lia, por cada ano que passava. A acreditar no que se contava à boca cheia, ninguém, nem sequer o velho e embrutecido taberneiro (especialmente o velho e embrutecido taberneiro) se mostrara insensível aos seus encantos. Tudo começava com uma manhã passada ao nível da terra fria, esperando o momento em que Lia surgiria caminhando em beleza, como a noite de um clima sem nuvens e de céus estrelados, em busca de água para si e para o seu avô, este confinado a uma cadeira de rodas e à amargura. “A pequena vai buscar água, e é tudo? Não se passa nada de escabroso?”, estranhava Benoni, conversando com potenciais, actuais ou pretéritos.»
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