29.10.21

Sobre Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector

 



«A certeza de que dou para o mal, pensava Joana.

O que seria então aquela sensação de força contida, pronta para rebentar em violência, aquela sede de empregá-la de olhos fechados, inteira, com a segurança irreflectida de uma fera? Não era no mal apenas que alguém podia respirar sem medo, aceitando o ar e os pulmões? Nem o prazer me daria tanto prazer quanto o mal, pensava ela surpreendida. Sentia dentro de si um animal perfeito, cheio de inconsequências, de egoísmo e vitalidade.

Lembrou -se do marido que possivelmente a desconheceria nessa ideia.

Tentou relembrar a figura de Otávio. Mal, porém, sentia que ele saíra de casa, ela se transformava, concentrava-se em si mesma e, como se apenas tivesse sido interrompida por ele, continuava lentamente a viver o fio da infância, esquecia-o e movia-se pelos aposentos profundamente só.»


Poucos livros conseguiram fixar de modo tão nítido as reacções mais íntimas de um ser humano, as suas sensações e descobertas, do que este primeiro romance de Clarice Lispector, então ainda uma adolescente.


Perto do Coração Selvagem e outras obras de Clarice Lispector estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/clarice-lispector/

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