«Pergunto‑me porque me converti deste modo aos Açores. O meu gosto por ilhas. Desde sempre a visão das Berlengas e o Baleal. Uma vez, um amigo escreveu‑me uma carta em que me dizia "tens que conhecer os Açores. Nos dias que se seguiram a essa carta vi, no Museu de Arte Antiga, uma tela de Crivelli. Foi no inverno de 80. A "Virgem e Menino com Santos e Doador" só muito lateralmente tinha que ver com os Açores: a pintura pertencia a alguém de S. Miguel. Ignoro o seu nome. De resto, como pude comprovar nas ilhas, as suas gentes são um acumular de castas, de extractos que entre si não comunicam ou, se o fazem, os seus elos são imperceptíveis a um continental, que é sempre um estrangeiro, um pequeno inimigo que inscreve o uso dos verbos perder, vencer, gozar, sofrer — viver e morrer — a uma outra latitude. É um facto que me seria fácil saber, junto do museu, o nome do proprietário do Crivelli. Nunca o fiz. E quis a sorte que a minha chave na ilha (um seu natural) pertence, ou circulasse, num plano não coincidente desses vasos incomunicantes onde repousam as gentes da ilha.» [p. 206]
Rodeado De Ilha reúne textos ensaísticos e ficcionais de João Miguel Fernandes Jorge e inclui também apontamentos diarísticos e de viagem.
Muitos dos seus temas preferidos, como a arte ou os espaços electivos como os Açores e a Madeira, estão também presentes.
Rodeado De Ilha e outras obras de João Miguel Fernandes Jorge estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/produto/rodeado-de-ilha/
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