«Uma pequena bouça de pinheiros, dum verde cheio dessas cãs dos pinheiros como vassouras amolecidas pelo uso, estendia‑se ao sul; tratava‑se de árvores adultas, cascudas, ligeiramente flectidas pelo vento durante o crescimento. Alguns cogumelos cresciam nos troncos e anunciavam a sua decrepitude, apesar dos fogosos ramos e do toucado de pinhas que a chuva apodrecera um pouco e que começavam a cair. O solo era arenoso, um céspede brilhante e líquido brotava entre as raízes do tojo, e nada mais comovente para Amélia do que o ruído dos passos que pisavam a agulha seca, a gorda folhagem da chorina, a açucarada contextura da areia pálida e húmida. Ela marchava devagar, com o seu ligeiro pisar, próprio das pessoas a quem o movimento assusta e que vivem sedentariamente; era a segunda vez que andava sozinha no pinhal circundado por esteios de pedra onde se prendia velho arame farpado; e, como acontece com as mulheres caprichosas, gostava de contemplar‑se no seu retrato bucólico e triste, guardando, porém, no fundo do coração, a certeza duma breve comédia e dum desfrute da natureza sem qualquer convicção. Quando se extrai uma surpresa duma insignificância, isso equivale a receber uma lição gratuita aparentemente, mas em cujo acaso não se acredita. Tal é a alma do homem — duvida sempre da simplicidade dos factos sucedidos no âmbito do seu próprio ser; o natural não acontece senão no reino bruto, a razão não nos incita ao que é natural, mas ao que é possível.» [p. 11]
Esta e outras obras de Agustina Bessa-Luís estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/agustina-bessa-luis/
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