«José Gil, um filósofo muito cá de casa, escreveu dois ensaios sobre a pandemia publicados neste jornal em Março e Abril. No primeiro, intitulado “O medo”, explicava como o receio de uma morte imprevista e absurda igualizava homens e mulheres, introduzindo a experiência de uma “globalização existencial”, com todos a vivermos o mesmo tempo pandémico; no segundo, com o corpo já a acumular várias semanas de confinamento, propunha que a pandemia pudesse vir a modificar o modo de vida das sociedades actuais ancoradas no capitalismo industrial-financeiro, mas já com um pé no capitalismo digital.
O ensaio “A pandemia e o capitalismo numérico”, o que causou mais ondas de choque, propunha que a covid-19 tinha acelerado a nossa entrada numa sociedade dependente do digital com a generalização do teletrabalho, a digitalização máxima dos serviços e a virtualização das deslocações, das relações sociais, do lazer e da cultura. Ao impor sem entraves o capitalismo há muito sonhado pelas empresas tecnológicas num salto brutal, a pandemia iria fazer florescer as subjectividades digitais, que tendem a dispensar o corpo físico, até se tornarem dominantes: “Serão subjectividades desterritorializadas, de certo modo, nómadas e transparentes, mas reterritorializadas no digital.”
Os dois ensaios foram recentemente reunidos no livro O Tempo Indomado (Relógio D’Água), que inclui mais duas reflexões em que José Gil voltou à pandemia para apresentar um outro mundo possível, uma possível utopia para um futuro instável que nos espera.»
[Isabel Salema, «O ano em que o fim do mundo se tornou possível», Ípsilon, 2020/12/23]
O Tempo Indomado e outras obras de José Gil estão disponíveis em: https://relogiodagua.pt/autor/jose-gil/
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