«A vida e a obra de Federico García Lorca pelo que foram e são adquiriram uma grandeza mítica com o poeta ainda vivo. Dimensão que aumentou com a sua morte prematura e trágica, a Guerra Civil espanhola de 1936–1939, o silenciamento que o poder franquista impôs à sua obra, à sua vida, à sua morte.
Hoje, passados setenta anos sobre a madrugada de Agosto de 1936, em que o poeta se tornou um dos símbolos da Espanha martirizada, investigada a sua vida e sujeita a sérios esforços de revisão textual a sua obra, podemos ter do poeta e do que ele escreveu uma imagem desmistificada, em que ele deixou de ser alguém puramente mágico e o poeta dos ciganos, para ser visto como um homem perturbado pelas suas inquietações e anseios artísticos múltiplos, consciente dos meios que procurava para a obra que escreveu com entusiasmo e domínio dos elementos que empregava, que dele fizeram um dos maiores poetas e dramaturgos espanhóis deste século.
Alguns dos que conviveram com García Lorca dão-nos dele a figura de um homem dotado de uma irradiante simpatia e alegre capacidade de comunicação pela conversa, pela leitura dos seus poemas, pelas canções que cantava acompanhando-se ao piano. Podemos concluir dos escritos de Alberti e Neruda que ele era alegre e expansivo? Ou que buscava, ao comunicar de modo exuberante, uma fuga para a sua solidão interior, a pena negra que o acompanhava, essa mágoa que deu o título a um dos seus romances? A sua obra desvenda um coração ferido, dominado por agouros e ameaças de morte, para quem o amor é um espaço desolado e sombrio. Vicente Aleixandre, um dos poetas com quem mais intimamente conviveu, escreveu que “os que o viram passar pela vida como uma ave cheia de colorido não o conheceram”.» [Do Prólogo de José Bento]
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