«— Estamos a conversar um mês depois da morte de Agustina Bessa-Luís. Escreveu sobre isso, falou muito dela ao longo da sua vida. Ela foi muito próxima de si. Como sintetiza Agustina na literatura?
— Ela trouxe a turbulência. Em todos os sentidos. A turbulência na palavra, da personalidade, ideológica. Não tínhamos isso e nunca esperámos ter isso numa mulher. A literatura que está lá para trás feita por mulheres é muitas vezes admirável, mas não tem essa turbulência. E essa turbulência vem de uma inserção numa cultura algo selvagem ainda ou de uma cultura prolixa, complicada, cheia de coisas para dizer que ainda estavam por dizer. e de repente aparece aquela mulher, dizendo sibilinamente aquilo que se podia dizer sobre todo um espaço cultural de uma espessura enorme. Truculência. Turbulência. A Agustina foi um dos casos mais nítidos da falta de apoio que o País deve prestar às suas melhores vozes. Se no início ela tivesse tido um pequeno apoio da parte do Estado poderia ter uma carreira internacional autonomamente. Esse apoio faltou. A Agustina era portuguesa e não teve o Prémio Nobel. Seria diferente se o tivesse tido.
— Ser mulher não prejudicou?
— Acho que não. A obra dela impõe-se independentemente disso e é uma escritora de uma época em que já havia grandes figuras femininas. Ainda ontem estive a ler um artigo sobre a Natalia Ginzburg, cuja obra está muito traduzida nos Estados Unidos. É uma escritora admirável, mas não consigo colocá-la no patamar da Agustina, porque acho a Agustina muito acima dela. No entanto, a Ginzburg está traduzida em toda a parte. Aliás, a Agustina disse numa entrevista que houve uma altura em que pensou ir para Paris e que se tivesse ido provavelmente seria uma escritora mais reconhecida do que era. Se me disser que há escritores portugueses que são muito conhecidos no estrangeiro porque são muito traduzidos… essa inflação de traduções, até de escritores muito novos, não significa um reconhecimento no estrangeiro; significa uma tradução. Quando apareceu o meu livro “Amadeo” [1984], fui bastante traduzido. com chancelas muito respeitáveis, só que fui muito pouco apoiado, a divulgação do livro foi pouca, nem cá nem lá. E se o autor não vende, o editor não aposta uma segunda ou terceira vez. Há poucas exceções entre os escritores portugueses que passam da primeira edição no estrangeiro. Continuamos a ser uma literatura muito marginal, muito periférica em relação à grande produção europeia.» [Mário Cláudio entrevistado por Isabel Lucas, LER, Verão 2019]
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