«Quando começou a escrever os diários, em 1909, Kafka trabalhava numa companhia de seguros (licenciara-se em Direito, a contragosto, para satisfazer as expectativas familiares), vivia ainda com os pais e as três irmãs em Praga, mas recentemente passara a ter um quarto próprio, convivia regularmente com os amigos Felix Weltsch, Oskar Baum e Max Brod, com quem frequentava conferências e cafés, cinemas e bordéis, já começara a publicar textos em revistas e a ser conhecido como autor num círculo restrito. (…)
Nos catorze anos de que os diários dão registo, acompanhamos as inquietações obsessivamente elaboradas ao longo de uma vida: o conflito com o pai, ou a forma peculiar de violência que é a violência em família; o judaísmo; o corpo e a doença; a hesitação entre casamento e celibato, ambos temidos e desejados; a vida profissional como prisão. Acompanhamos (mais por omissão) a turbulência dos tempos, de que é exemplo a muito citada entrada de 2 de Agosto de 1914, no início da Primeira Guerra Mundial: «A Alemanha declarou guerra à Rússia. – À tarde, natação» (p. 332). Mas praticamente não há elemento que não seja visto à luz da preocupação central de Kafka: a sua vocação de escritor, entendida como a forma de resistência ou de sobrevivência de alguém que, no seio da própria família, foi posto à margem do mundo e dos homens.» [Da Nota Introdutória]
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