«Teixeira de Pascoaes: vida, morte e família, segundo Agustina
Em 1958, Agustina Bessa-Luís publicou O Susto. O livro pode ser descrito como uma biografia de Teixeira de Pascoaes, falecido seis anos antes, que responde no romance pelo nome de José Midões. O poeta, a família, os que dela dependiam e os seus amigos aparecem com os seus nomes mudados. Através desta simples alteração dos nomes, Agustina passa da biografia ao romance, ou seja, cava para si um espaço de liberdade criativa, que é próprio da ficção. As suas interpretações deixam de estar amarradas à realidade. A necessidade de contar, tal e qual, como se passaram as coisas e como eram as suas personagens na vida real deixa de existir. Da mesma forma, desaparece a necessidade de se fazer prova do que se diz. Por isso, pode dizer-se que a biografia deixa de fazer parte da história, para entrar no domínio mais propriamente literário. Trata-se, pois, de uma biografia romanceada. Perturbante, diga-se desde já. Que não corresponderá, propriamente, ao que foi a vida de Pascoaes. Mas que, por paradoxal que pareça, adquire uma força explicativa porventura maior do que se Agustina se tivesse limitado a escrever a biografia de Pascoaes. […]
Reconheça-se que, sem as notas do prefácio [de António Feijó], não teria ido ler a troca de cartas entre Agustina e o irmão de Teixeira de Pascoaes, publicadas no “Suplemento Literário” do Jornal de Notícias, em 15 e 22 de Janeiro de 1959. João Teixeira de Vasconcelos, chamado Cipriano no livro em causa, sentindo-se agravado com tantas distorções saiu em defesa do defunto irmão e da sua família, escrevendo que o verdadeiro susto fora ele que o sentira frente a quem ousara tocar na “figura agigantada do Pascoaes”.
Ao que Agustina respondeu uma semana depois, numa prosa tão suculenta, quanto truculenta: “Quando ouvir que alguém detracta os seus e insinua misérias dos que lhe são caros, na sua presença, assente-lhe duas bordoadas e arrume o caso assim. Ao mesmo tempo que limpa uma mancha, pode castigar um mentiroso. Mas com as figuras mentirosas dos meus livros não se meta, nem que se trate do leão da Nemeia, do touro de Creta, das hidras múltiplas de não sei que terra; às vezes eu própria estou por baixo da pele desses animais, e arranho, e escorneio, e lanço veneno. Isso é comigo e com todo o mundo. Consigo e com a causa de Pascoaes, em particular, nunca é” (JN, 22-1-1959).» [Diogo Ramada Curto, Expresso, 24/5/19]
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