«Uma criança rodeada de velhos, uma criança que descobre o mundo e se descobre perante ele. Além desse fundo mínimo, não ficaremos a saber muito mais. Não seria necessário. A presença de Heraclito, por seu turno, constitui um mecanismo de desarticulação. Permite ao texto interrogar a própria constituição de si. Que fazer com o peso da História, que fazer com a ideia de tempo, de personagens, de acção — com a noção, em última análise, de ficção? As palavras, perante estas circunstâncias, surgem como instrumento questionável, por entre aquilo que nunca deixa de ser um poder enorme: mesmo se limitado, falível — “Começamos a escrever o mundo e o mundo transforma-se numa frase com a harmonia provisória de uma eternidade qualquer” (p.59) Porém, a única eternidade possível é proporcionada por elementos, necessariamente, finitos, passageiros na sua efemeridade, como sejam marcas cíclicas, que apenas reforçam o passar do tempo — “só os castanheiros no seu outono continuam eternos” (p.62). Não se trata da rebusca de um paradoxo, mas da constatação do absurdo que mina a perscrutação da eternidade. Porque a memória da barbárie nazi nunca se afasta das preocupações — “Juntem mil corpos nus e terão a nudez, um substantivo abstracto, um conceito. E poderão decidir da morte, da vida ou do abandono.” (p.23) —, a escrita de Rui Nunes parece fazer-se sempre alheia ao optimismo de um projecto englobante e a grandiosas intenções construtivas. Porque a ruína espreita a cada passo da História, cabe a esta escrita, sobretudo, observar e registar (do modo mais impressivamente idiossincrático) o horror de que o ser humano se rodeia. Dizer, em suma, “um minucioso caminho de perda” (p. 86).» [Hugo Pinto Santos, Público, ípsilon, 16/11/18]
20.11.18
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