4.9.18

Sobre Obra Completa, de Arthur Rimbaud




«Esta edição da obra de Rimbaud, que não hesitaríamos em chamar histórica, tem um prefácio, da autoria do editor Francisco Vale, intitulado, precisamente, “A Vida Está noutro Lado”.
Como Vale sublinha, a obra de Rimbaud não deixará de antecipar o que viria a ser a sua aventurosa e dispersiva vida depois de abandonar a poesia e as paragens europeias — “A minha jornada está feita; vou deixar a Europa. O ar marinho queimará os meus pulmões; os climas perdidos tisnar-me-ão. Nadar, calcar a erva, caçar e sobretudo fumar; beber licores fortes como metal a ferver — como faziam esses caros antepassados à volta das fogueiras. Regressarei, com membros de ferro, a pele escura, o olhar furibundo; pela minha máscara, julgar-me-ão de uma raça forte. Terei ouro: serei ocioso e brutal.” (p.341); “Amei o deserto, os pomares queimados, as lojas fanadas, as bebidas requentadas.” (p.369) “Anjo no exílio”, como lhe chamou Verlaine (Les Poètes Maudits), Rimbaud parecia querer extirpar de si todo o artificialismo, qualquer laivo de mesura ou domesticação. (…)

Assinada por dois tradutores — Miguel Serras Pereira e João Moita —, esta tradução de Rimbaud dispersa a força irrefragável do poeta por um esforço realmente repartido. Tanto MSP, quanto JM, traduziram poemas e cartas, não havendo, por hipótese, uma separação das versões por géneros. Nesse particular, importará sublinhar que esta edição inclui “toda a poesia de Rimbaud e uma extensa selecção das suas cartas (excluíram-se os poemas em latim, os exercícios escolares e cartas comerciais irrelevantes)” (da ficha técnica). O que significa que estão presentes a sua poesia em verso e aquela que o poeta escreveu em prosa, e é, possivelmente, parte muito significativa da sua melhor poesia. Ou seja, Uma Temporada no Inferno e Iluminações, mas também a sua poesia “lírica” (carreguem-se todas as aspas), da qual nunca se afasta muito a sátira, o que contempla poemas tão diversos como “Ofélia”, “A Minha Boémia”, “As Cata-Piolhos”, “Soneto do Olho do Cu” (parte do “Album Zutique”); e os próprios títulos revelarão como a irreverência sempre foi algo mais do que um sinal de idade para quem deixou a escrita antes de completar vinte anos.» [Hugo Pinto Santos, Público, ípsilon, 31/08/2018. Texto completo em https://www.publico.pt/2018/08/31/culturaipsilon/critica/rimbaud-primeiro-poeta-de-uma-civilizacao-ainda-por-surgir-1842250 ]

Sem comentários:

Enviar um comentário