19.7.18

Sobre Caos e Ritmo, de José Gil




A propósito do recente lançamento de Caos e Ritmo, José Gil foi entrevistado por João Céu e Silva, no DN



«Afirma que o cidadão eleitor aborrece-se em democracia. Não é demasiado radical?

Essa frase aplica-se a todos os países e não só aos portugueses porque a democracia não oferece uma promessa. Já o populismo está sempre a fazê-la às massas e elas entusiasmam-se. Não se pode dizer que a sociedade alemã do hitlerismo se aborrecia, pelo contrário, empolgava-se todos os dias com a propaganda de Hitler. A democracia não é uma ideologia, é um regime político menos mau entre todos - como dizia o outro, Churchill - e só empolga quando se passa de um regime ditatorial para democracia como em Portugal nos primeiros anos após o 25 de Abril de 1974.

Entre os governantes portugueses só o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa monopoliza atenções com os afetos. Enquadra-se no populismo?

Sim, se considerarmos como elemento de propaganda e de adesão política, mas Marcelo não é um líder populista. O afeto, contudo, enquadra-se naquilo que contém o discurso populista no seu pior.

Ultrapassou o fascínio por Mário Soares?

Sim, em muito devido às diferenças entre ambos. Soares conservava a sua soberania acima do povo e descia quando queria. Marcelo faz o caminho inverso e transforma-se ele próprio em homem do povo.

O populismo tem hoje a vida mais facilitada?

É uma realidade mundial inquietante o que se está a passar e o que poderá acontecer nas eleições europeias. Também não se deram conta de quanto Hitler estava a subir, aceitando-o. A tendência de muitos políticos é dizer que temos maneira de enfrentar esta vaga ameaçadora, mas não é bem assim.

A que se deve a complacência do eleitor?

Ao falhanço dos sistemas democráticos e à incapacidade dos políticos responderem às populações. É impressionante ver que nos estudos de politólogos e sociólogos sobre as taxas de voto favorável a Trump não era tanto a questão económica que pesava mas a cultural. Tem que ver com a exclusão, humilhação, fatores morais e éticos, identitários e existência espiritual - e isto é uma revolução.

Trump é o aviso mais sério?

Não sei se é fenómeno passageiro, porque está a perdurar e isso é mau. A maioria das pessoas que se referem a Trump não se dão conta de que se está a forjar um clima nunca visto nos EUA, o do messianismo. Ele aparece como um messias e nenhum dos líderes europeus o consegue.

Nem Macron, que derrotou Marine Le Pen?

Que bem queria aparecer como messias! Ainda não há messianismo na Europa como nos EUA, em que Trump é o imbecil iluminado. Recorde-se que havia também uma imbecilidade estrutural no Hitler.

Em Portugal haverá alguma vez terreno próprio para o populismo?


Por enquanto não, mas Portugal não escapará às condições gerais e culturais da globalização. Por enquanto, Portugal - e Espanha - está imune ao populismo, mas não se pode afirmar que com uma mudança não irá aparecer alguém.» [DN, 13/7/18. A entrevista completa pode ser lida aqui: https://www.dn.pt/1864/interior/jose-gil-o-google-nao-pensa-como-nos-9588657.html . Fotografia de Leonardo Negrão/Globalimagens]

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