18.9.17

Na morte de John Ashbery





O poeta norte-americano John Ashbery (1927-2017), um dos maiores do nosso tempo, faleceu no passado dia 3 de Setembro.
Sobre ele, Pedro Mexia escreveu na revista E de 16 de Setembro:


«John Ashbery foi duas vezes traduzido em Portugal. Em 1991, no contexto dos encontros Poetas em Mateus, uma dezena de poetas-tradutores (entre os quais Joaquim Manuel Magalhães e Pedro Tamen) produziram uma pequena antologia, “Uma Onda e outros poemas” (Quetzal), editada no ano seguinte, com revisão e apresentação de João Barrento. Em 1995, saiu “Auto-retrato num Espelho Convexo e outros poemas” (Relógio D'Água), um volume mais expansivo, com tradução e posfácio de António M. Feijó. É interessante recordar as qualificações e precauções que os tradutores entenderam necessárias, e que de facto são, acentuando a dimensão estranha, bizarra, hermética. Barrento destaca na poesia de Ashbery o “descentramento, a deriva do sentido, a suspensão da significação ou a insistência no aparentemente insignificante (...), do acidental e do contingente (…)”, enquanto Feijó escreve que em muitos destes poemas encontramos “uma sistemática disjunção que ilude qualquer coerência ou coesão semântica”. Embora frequentemente autobiográfico, Ashbery não é um poeta “confessional”, e a sua poesia tem qualquer coisa de refutação das ingenuidades confessionais. Em vez de “poesia da experiência”, é uma poesia da “experiência da experiência”, um vaivém tumultuoso da consciência e da memória, meio Proust, meio inventário caótico. Esses “devaneios”, como lhes chama Feijó, tornaram-se cada vez mais absurdos no Ashbery das últimas, e abundantes, décadas, deslumbrado com o incessante fluxo de informações imagéticas e linguísticas a que estamos sujeitos. Porque um poema de Ashbery é “hermético” na medida em que é a apoteose de um “eu” ultraconsciente, hiperamnésico, e talvez intransmissível; ao mesmo tempo, é justamente a absoluta singularidade desse “eu” que faz com que sejamos convocados para essa espécie de linguagem privada, que na nossa cabeça completamos, associamos, interrogamos, tomamos como nossa. A poesia de Ashbery pode fazer sentido na medida em que é um “modo de vida”, tão misterioso e fascinante como o nosso modo de vida, e por isso de algum modo semelhante ao nosso. Um poema da colectânea “The Double Dream of Spring” (1970), que cito na tradução de António Feijó, diz isto, que parece agora ainda mais elegíaco, ainda mais confiante: “Somos felizes no nosso modo de vida. / Não faz muito sentido para os outros. Sentamo-nos para aqui,/ Lemos, e andamos irrequietos. Por vezes é altura/ de baixar a escura persiana sobre tudo isto. / A entidade que somos revolve num transe auto-induzido/ Como o sono. Sem ruído o nosso viver pára/ E entra-se como que num sonho / Nesses domínios respeitáveis onde a vida é imóvel e viva (…)”.»

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