31.8.17

Sobre Lincoln no Bardo, de George Saunders




«(…) Lincoln no Bardo, o primeiro romance de George Saunders (n. 1958), contista laureado praticamente desconhecido no nosso país, embora duas das suas colectâneas de contos, entre elas a incontornável Pastoralia, estejam traduzidas. Lincoln no Bardo é a sua obra mais recente. Saunders pegou num episódio delicado, a depressão que tomou conta de Abraham Lincoln após a morte do seu terceiro filho, Willie, vítima de tifóide aos onze anos. Eram comentadas as visitas nocturnas do Presidente à cripta da criança, em Oak Hill, facto peculiar na medida em que não fora caso único: três dos seus quatro filhos morreram antes de atingirem a idade adulta (sobreviveu apenas o primeiro). Curiosidade adicional: o livro levou quatro anos a escrever mas o plot decorre todo ao longo de uma única noite. Saunders terá tido acesso a detalhes da reacção post mortem, e do excruciante sofrimento de Lincoln, servindo-se deles para pôr de pé o romance. Como sempre, o discurso não é linear. Dito de outro modo, Lincoln no Bardo não é um romance que siga o padrão canónico. O leitor comum talvez seja surpreendido por alguns tiques de escrita: nomes próprios grafados em letra minúscula, monólogos desconexos por via de certa filiação à literatura do absurdo, excertos de jornais da época (estava-se no auge da Guerra de Secessão), trechos de mnemónica, vozes fantasmáticas, citações e outro material avulso com que compõe um patchwork tendo como denominador comum a morte. Em suma, não é um livro fácil. No Tibete chama-se bardo ao “trânsito” entre morte e reencarnação. Isso explica o sentido do título do livro, ou seja, o karma que Saunders atribui a Lincoln. (…)» [Eduardo Pitta,no blogue Da Literatura, sobre crítica publicada na revista Sábado de 24 de Agosto de 2017]

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