Em entrevista
ao suplemento E do Expresso, e a propósito da comemoração do nascimento da mãe,
Clarice Lispector, Paulo Gurgel Valente afirma:
«Quer contar?
Eu via-a
sempre na sala escrevendo e um dia disse-lhe: “Você escreve tanta coisa, porque
não escreve um conto para mim?” Então ela escreveu, em inglês, uma história que
é real. Era de facto um mistério que tínhamos lá em casa, onde havia, na
garagem, uma gaiola de coelhos que fugiam não se sabia como. E a garotada do
bairro – um subúrbio de Washington – corria atrás deles. Depois, no Brasil, ela
acordava às 4h da madrugada e até às 7h ficava com o tempo e o silêncio da casa
só para si. Eu acordava com o barulhinho dos dedos a baterem na máquina.
Em Clarice há
um lado doméstico e um lado interior, subterrâneo. Foi difícil essa
conciliação?
Não havia
grande conflito. Um pouco como nesta visita de Tom Jobim ao maestro
Villa-Lobos. O apartamento ficava numa rua movimentada, as crianças corriam na
sala, e Jobim perguntou a Villa-Lobos como conseguia compor com todo esse
barulho. Ele respondeu: “Com o ouvido interno.” Portanto, não era uma situação
incomum. Porém, quando estava a finalizar um livro, a minha mãe ia para um
hotel e ficava incógnita durante uma semana.
(…)
O biógrafo
Benjamin Moser diz que as origens ocupavam nela um lugar mais complexo do que
se pensa. Concorda?
Nos anos 60,
os meus pais tentaram uma reconciliação e fomos para a Polónia reunir com o meu
pai, que estava lá colocado. Ela escreveu uma crónica que falava da sensação de
estar sozinha na varanda da casa em Varsóvia. Dizia algo como: “Uma grande
floresta negra aprontava-me o caminho da Ucrânia. Senti o apelo. Mas eu
pertencia ao Brasil. “ É como se não quisesse aproximar-se da sua origem, da
origem de uma família de refugiados que fugira dos pogroms. Ela pertencia ao
Brasil e ao misterioso mundo interno das pessoas.
(…)
Como era a
Clarice dos últimos textos? Na entrevista que deu em 1977 parece silenciosa e
triste.
Aquela
entrevista não reflete o estado geral da minha mãe. Quando estava no táxi a
caminho do hospital, de onde já não iria sair, disse para a amiga: “Vamos
fingir que estamos indo para o aeroporto, para embarcar para a Europa.” Sabia
que estava doente, mas não estava triste.» [Entrevista de Luciana Leiderfarb,
E, Expresso, 10/12/2016]
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