12.12.16

Clarice Lispector segundo o seu filho Paulo Gurgel Valente




Em entrevista ao suplemento E do Expresso, e a propósito da comemoração do nascimento da mãe, Clarice Lispector, Paulo Gurgel Valente afirma:


«Quer contar?
Eu via-a sempre na sala escrevendo e um dia disse-lhe: “Você escreve tanta coisa, porque não escreve um conto para mim?” Então ela escreveu, em inglês, uma história que é real. Era de facto um mistério que tínhamos lá em casa, onde havia, na garagem, uma gaiola de coelhos que fugiam não se sabia como. E a garotada do bairro – um subúrbio de Washington – corria atrás deles. Depois, no Brasil, ela acordava às 4h da madrugada e até às 7h ficava com o tempo e o silêncio da casa só para si. Eu acordava com o barulhinho dos dedos a baterem na máquina.


Em Clarice há um lado doméstico e um lado interior, subterrâneo. Foi difícil essa conciliação?
Não havia grande conflito. Um pouco como nesta visita de Tom Jobim ao maestro Villa-Lobos. O apartamento ficava numa rua movimentada, as crianças corriam na sala, e Jobim perguntou a Villa-Lobos como conseguia compor com todo esse barulho. Ele respondeu: “Com o ouvido interno.” Portanto, não era uma situação incomum. Porém, quando estava a finalizar um livro, a minha mãe ia para um hotel e ficava incógnita durante uma semana.
(…)

O biógrafo Benjamin Moser diz que as origens ocupavam nela um lugar mais complexo do que se pensa. Concorda?
Nos anos 60, os meus pais tentaram uma reconciliação e fomos para a Polónia reunir com o meu pai, que estava lá colocado. Ela escreveu uma crónica que falava da sensação de estar sozinha na varanda da casa em Varsóvia. Dizia algo como: “Uma grande floresta negra aprontava-me o caminho da Ucrânia. Senti o apelo. Mas eu pertencia ao Brasil. “ É como se não quisesse aproximar-se da sua origem, da origem de uma família de refugiados que fugira dos pogroms. Ela pertencia ao Brasil e ao misterioso mundo interno das pessoas.
(…)

Como era a Clarice dos últimos textos? Na entrevista que deu em 1977 parece silenciosa e triste.
Aquela entrevista não reflete o estado geral da minha mãe. Quando estava no táxi a caminho do hospital, de onde já não iria sair, disse para a amiga: “Vamos fingir que estamos indo para o aeroporto, para embarcar para a Europa.” Sabia que estava doente, mas não estava triste.» [Entrevista de Luciana Leiderfarb, E, Expresso, 10/12/2016]

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