«Li uma
grande parte de Escombros antes de Gatti ter atribuído uma identidade a
Elena Ferrante. Quando tive acesso à edição alargada, que é agora lançada em
Portugal, e sabendo que iria reler grande parte do livro na posse de novos
dados, questionei-me: Será que a informação que adquiri através da investigação
de Gatti tem a capacidade de mudar o retrato que construí dela enquanto mulher,
pessoa escritora? Agora, que terminei Escombros, sei que a resposta é não.
Como Ferrante escreve, “ a autora, que fora do texto não existe, dentro do
texto oferece-se, une-se conscientemente à história, esforçando-se por ser mais
real do que conseguiria ser nas fotografias de uma revista ilustrada, num festival
literário, em qualquer programa televisivo, no espetáculo da entrega dos prémios
literários”. Será sempre interessante saber o que um escritor tem a dizer sobre
a sua escrita, os seus afetos, as suas memórias, o seu mundo familiar, as suas
convicções políticas. E Escombros é tudo isso, mesmo que em muitas matérias
seja tímida a partilha. Reconheço também, sem incómodo, a vontade de questionar
os outros, de saber o que são e do que gostam, de aceder aos estilhaços,
fragmentos do seu íntimo que acedem partilhar. Mas nada disso anula a importância
das obras. Deverá sobrepor-se à sua existência independente, ao que conhecemos
sobre quem as fez apenas a partir do que estas nos dizem e revelam. “A vida que
importa fica viva nas obras.” Ferrante não se cansa de repetir: O que sabemos
afinal de Shakespeare? E eu, repetindo-me também, devo voltar a escrever aqui
que Ferrante é uma voz que nos persegue. Uma voz que escava nos nossos
escombros. A voz que nos ocupa, persegue. E isso, de facto, deveria bastar-nos.
Não será a literatura mais importante do que o escritor?» [Cristina Margato, Expresso,
E, 26-11-2016]
29.11.16
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário