5.4.16

Sobre Gratidão, de Oliver Sacks




«A epígrafe que abre o mais recente livro de Oliver Sacks resume com apenas uma imprecisão os quatro ensaios que o compõem, onde o neurologista britânico relata a sua relação com a morte que na altura, devido à detecção de uma metástase de uma forma rara de melanoma no fígado, se aproximava velozmente, tendo chegado em Agosto de 2015. Gratidão tem como mote “estou agora frente a frente com a morte, mas não acabei a vida”, um mote que, não fosse o uso da adversativa, resumiria perfeitamente o que se passa ao longo das suas páginas. O que Sacks nos procura mostrar nestes ensaios escritos entre Julho de 2013 e Agosto de 2015 é que não existe contradição nenhuma — como o uso da conjunção “mas” sugere — entre estar diante da morte e não se ter acabado de viver. Em Gratidão, é sugerido que o confronto com a morte é até, em certo sentido, como veremos, um momento inaugural da vida.
Com a aproximação, cada vez mais rápida, da morte, duas ideias tornam-se claras para Sacks. Em primeiro lugar, o escritor afirma-se repetidamente agradecido (um agradecimento peculiar, uma vez que não se dirige a nenhuma entidade específica, mas apenas àquilo a que, à falta de melhor termo, poderemos designar por “vida”). Mas Sacks confessa também que, na iminência da morte, se sente no dever de “tentar completar a [sua] vida, seja lá o que ‘completar uma vida’ queira dizer”. No ensaio a que chamou A Minha Vida, escrito poucos dias depois da descoberta das metástases no fígado que o viriam a matar, o neurologista escreve:
“Nestes últimos dias, tenho podido ver a minha vida como que de um lugar muito alto, como uma espécie de paisagem, e com um sentido profundo de ligação entre todas as suas partes. O que não significa que para mim a vida tenha acabado. Pelo contrário, sinto-me intensamente vivo.”» [João Pedro Vala, Observador, 30-3-2016]

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