«A epígrafe que abre o mais recente livro de Oliver
Sacks resume com apenas uma imprecisão os quatro ensaios que o compõem, onde o
neurologista britânico relata a sua relação com a morte que na altura, devido à
detecção de uma metástase de uma forma rara de melanoma no fígado, se
aproximava velozmente, tendo chegado em Agosto de 2015. Gratidão tem como mote “estou agora frente a
frente com a morte, mas não acabei a vida”, um mote que, não fosse o uso da
adversativa, resumiria perfeitamente o que se passa ao longo das suas páginas.
O que Sacks nos procura mostrar nestes ensaios escritos entre Julho de 2013 e
Agosto de 2015 é que não existe contradição nenhuma — como o uso da
conjunção “mas” sugere — entre estar diante da morte e não se ter acabado de
viver. Em Gratidão,
é sugerido que o confronto com a morte é até, em certo sentido, como veremos,
um momento inaugural da vida.
Com a aproximação, cada vez mais rápida, da morte, duas
ideias tornam-se claras para Sacks. Em primeiro lugar, o escritor afirma-se
repetidamente agradecido (um agradecimento peculiar, uma vez que não se dirige
a nenhuma entidade específica, mas apenas àquilo a que, à falta de melhor
termo, poderemos designar por “vida”). Mas Sacks confessa também que, na
iminência da morte, se sente no dever de “tentar completar a [sua] vida,
seja lá o que ‘completar uma vida’ queira dizer”. No ensaio a que chamou A
Minha Vida, escrito poucos dias depois da descoberta das metástases
no fígado que o viriam a matar, o neurologista escreve:
“Nestes últimos dias, tenho podido ver a
minha vida como que de um lugar muito alto, como uma espécie de paisagem, e com
um sentido profundo de ligação entre todas as suas partes. O que não significa
que para mim a vida tenha acabado. Pelo contrário, sinto-me intensamente
vivo.”» [João Pedro Vala, Observador, 30-3-2016]
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