12.1.16

Pedro Mexia escreve sobre Knausgård



 


«Knausgård, chamemos-lhe K., por comodidade, quer ser um homem decente, um homem bom. Essa aspiração aparece várias vezes confessada ao longo do extenso tomo 2 de A Minha Luta – Um homem Apaixonado (2009). Mas não é fácil, isso de ser um homem bom. Sobretudo quando, como acontece com K., a auto-estima é baixa, a exigência grande, e o sentido do ridículo incessante. Um amigo de K. atribui-lhe uma inclinação ascética e até uma busca da “santidade”. K. diz apenas que não quer fazer batota. Procura uma interioridade e uma intensidade que dêem um sentido à vida, mas não abdica de de um gosto nietzschiano, vitalista, pelas coisas físicas, concretas, que podem aliás ser banalíssimas, pequenos prazeres como os alfarrabistas ou o tabaco.
Do volume 1, A Morte do Pai, em que acompanhámos o jovem K. enquanto filho de um alcoólico intratável, passamos, no volume 2, a um K. trintão, e agora também ele pai: casou-se com Linda, uma poetisa sueca, e assistimos ao nascimento de duas meninas e um rapaz. Mas a alegria da conjugalidade e da parentalidade convive com a exasperação quotidiana, sobretudo porque na casa dos Knausgård é o marido quem assume todas as tarefas domésticas, uma vez que a mulher tem um emprego fora de casa e ele não. Ele até considera isso justo em teoria, mas na prática sente-se emasculado, está constantemente a preparar refeições, a fazer as limpezas, a ir às compras, a aturar birras, a passear carrinhos de bebés. K. acha toda esta situação pouco viril. Introspectivo, auto-acusatório, quase calvinista, conta-nos os seus embaraços e fracassos, insignificâncias que o diminuem enquanto homem. Não consegue arrombar uma porta numa emergência. Não consegue pôr na ordem uma vizinha barulhenta. Protesta meio sem jeito num restaurante. Hesita em separar dois sujeitos numa briga. E quando tem uma fúria e atira com um copo, o copo não se parte.
A domesticidade diminui a disponibilidade e diminui as possibilidades, é isso que ele sente.» [Pedro Mexia, Expresso, E, 9/1/2016]

Sem comentários:

Enviar um comentário