No
último número do ípsilon (07/08/2015),
José Riço Direitinho escreve sobre Um
Homem Apaixonado, o segundo volume de A
Minha Luta, de Karl Ove Knausgård.
«Podemos
sempre argumentar que nunca faltaram romances a “contar a vidinha” (supostamente
interessante) do autor, mas o que se passa nos volumes de A Minha Luta (e sobretudo neste Um
Homem Apaixonado) é muito mais do que isso: o “eu narrador” que se confunde
com o “eu autoral” não se limita a enunciar e descrever factos, pensa-os e
apresenta-os de uma forma tão singular que já não é a suposta vida do autor que
interessa (ou a exposição de um método de procura de uma identidade a que se
chega reconstruindo a memória), mas a vida do leitor, através de um processo de
identificação com o que é narrado. Quando Knausgård conta, por exemplo, que a
partir do momento em que passou a empurrar o carrinho de bebé as mulheres
deixaram de olhar para ele, o narrador não está apenas a enunciar o facto mas a
pensar a masculinidade e a discutir os papéis de género; quando fala de Dostoievski,
não é o autor russo que está em causa, antes a prevalência do humano num mundo
do século XIX abandonado por Deus e desde então radicalmente transformado: já
não é o homem que deambula no mundo, é o mundo que deambula pelo homem; e
quando as deambulações mudam de sentido, o resultado é sempre a falta de
sentido… Esse sentido que Karl Ove Knausgård nos ajuda a procurar recuperando
um tempo (o seu, biográfico) – e com isso nos reconstrói.»
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