Foi uma morte
anunciada, mas nem por isso menos chocante. Oliver Sacks faleceu ontem, dia 30
de Agosto, na sua casa em Greenwich Village, em Nova Iorque.
Já
em Fevereiro no New York Times o neurologista anunciava ter uma doença
grave e poucos meses de vida. Fazia um lúcido e comovedor balanço da sua vida e
dos projectos com que tencionava despedir-se do mundo.
«Há um mês
encontrava-me bem de saúde, ou mesmo francamente bem. Com os meus 81 anos,
continuava a nadar 1,5 km todos os dias. Mas a minha sorte tinha um limite:
pouco depois tomei conhecimento de que tinha metástases múltiplas no fígado. Há
cerca de nove anos, descobriram-me no olho um tumor pouco frequente, um
melanoma ocular. Apesar de a radição e o laser para remover o tumor terem
acabado por me deixar cego desse olho, é muito raro que esse tumor se
reproduza. Pois bem, eu pertenço aos desafortunados 2 % a quem isso acontece.
Dou graças
por ter desfrutado de nove anos de boa saúde e produtividade desde o
diagnóstico inicial, mas chegou o momento de enfrentar de perto a morte. As
metástases ocupam um terço do meu fígado, e, ainda que se possa atrasar o seu
avanço, é um tipo de cancro que não pode ser detido.
Agora devo
decidir como viver os meses que me restam. Tenho de os viver da maneira mais
rica, intensa e produtiva que me for possível. Sou encorajado pelas palavras de
um dos meus filósofos preferidos, David Hume, que, ao saber-se mortalmente
doente, aos 65 anos, escreveu uma breve autobiografia num único dia de Abril de
1776. Intitulou-a A Minha Própria Vida. (…)
Tive a imensa
sorte de viver além dos 80 anos, e estes 15 anos que vivi a mais do que Hume
foram tão prósperos no trabalho como no amor. Nesse tempo publiquei cinco
livros e terminei uma autobiografia (bastante mais extensa do que as breves
páginas de Hume), que será publicada na Primavera; e tenho mais alguns livros
quase terminados. (…)
Nos últimos
dias, pude ver a minha vida como se a observasse de muito alto, como uma
espécie de paisagem, e com uma profunda sensação da ligação entre todas as suas
partes. Isto não significa que dê por terminada a vida.
Pelo
contrário, sinto-me intensamente vivo, e quero e desejo, no tempo que me resta,
aprofundar as minhas amizades, despedir-me daqueles que amo, escrever mais,
viajar se tiver força suficiente, alcançar novos níveis de compreensão e
discernimento. (…)
Não posso
fingir que não tenho medo. Mas o sentimento que prevalece em mim é a gratidão.
Amei e fui amado, foi-me dado muito e dei algo em retribuição, li e viajei e
pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial dos
escritores e leitores.
Acima de
tudo, tenho sido um ser sensível, um animal pensante, neste belo planeta, e
isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e uma aventura.»
Oliver Sacks
escreveu, entre outras obras, O Homem Que Confundiu a Mulher com Um Chapéu,
Despertares, Um Antropólogo em Marte, Perna para Que Te Quero,
A Ilha sem Cor, O Tio Tungsténio, Musicofilia, Vejo Uma
Voz, O Olhar da Mente, Diário de Oaxaca, Alucinações
e Enxaqueca, todas elas publicadas em Portugal pela Relógio D’Água.
Os seus livros foram premiados, nomeadamente com o Hawthornden Prize, o Polk
Award, e recebeu uma Bolsa Guggenheim. Foi membro da Academia Americana de
Artes e Letras. Exerceu neurologia e leccionou na Faculdade de Medicina da
Universidade de Nova Iorque.
A Relógio D’Água vai editar em breve a sua autobiografia: Em Movimento — Uma Biografia.
Sem comentários:
Enviar um comentário