A Associação Portuguesa de Escritores acaba de atribuir o
Grande Prémio de Romance e Novela – 2014 a Retrato de Rapaz, de Mário Cláudio.
O segundo romance mais votado foi Impunidade, de H. G. Cancela,
publicado na Relógio D’Água .
O júri foi constituído por Ana Paula Arnaut, Miguel Miranda
e Miguel Real, que votaram em Retrato de Rapaz, e por Isabel Cristina
Mateus e Maria João Cantinho, que escolheram Impunidade.
Foi a segunda vez que Mário Cláudio venceu este prémio,
sendo os outros romances finalistas Os Memoráveis, de Lídia Jorge, Cláudio
e Constantino, de Luísa Costa Gomes, e No Céu não Há Limões, de
Sandro William Junqueira. Inicialmente haviam sido admitidas a concurso 86
obras.
Num artigo publicado no dia 14 de Julho no seu blogue, Maria
João Cantinho escreveu:
«O narrador aparece, vindo não se sabe de onde, como uma
personagem errática. Instala-se num hotel, em Sevilha. Não sabemos como nem por
que razão chega a um apartamento, um oitavo andar, em Sevilha, onde vivem duas
crianças pequenas, um rapaz de nove anos e uma menina de quatro, numa situação
de abandono. É com estupefacção e com horror que o rapaz reconhece o pai, que
mal havia visto: “Ele, com a boca fechada e os maxilares comprimidos, dir-se-ia
diante da materialização de um terror nocturno.”
É este o tom que dá início à entrada do narrador na acção. Um
pai que vem procurar dois filhos que vivem sós, sujeitos à irregular chegada de
uma estranha empregada com um filho inquietante, Amir, que passa muito tempo
junto das crianças. O filho é “o rapaz” e a menina chama-se Laura. Não é ao
acaso que o filho é “sem nome”, como uma presença profundamente perturbadora,
ao longo de toda a história. Se, no início, a sua presença nos aparece
inocente, atento à irmã, que mal se compreende (aliás, a falta de inteligibilidade
do discurso de ambos e a confusão das línguas é uma constante, na relação com
os pais, como um sinal de um obscuro mal, não-partilhável), no entanto, ela
transforma-se numa hedionda cumplicidade com Amir.
As grandes e metafísicas obsessões deste autor são o mal e a
culpa, uma culpa arcaica e que pesa sobre todas as personagens, transformando-as
em estranhos seres, incapazes de fala e de alegria e apenas Laura (a vítima
sacrificial) é capaz de alguma alegria, não obstante todos os sinais de violência
sobre o seu pequeno corpo, em crescendo. Sim, poderíamos dizê-lo: em tudo se
assemelham a anjos caídos, mas isso não se aplicará a Amir, o rapaz que é meio
espanhol e meio marroquino, como se o seu próprio corpo simbolizasse uma
irredutível terra de ninguém, incapaz de amor e de respeito, avesso a todas as
regras.
Sobre essa extraordinária personagem, Amir, muito poderia
dizer-se. É a verdadeira figura do mal, irredutível nas suas pulsões
instintivas e animalescas, incapaz de amor,
dilacerado na sua identidade.»
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