Publicamos em
seguida alguns fragmentos do debate travado entre Slavoj
Žižek e Alexis Tsipras, em 2013, no Festival Subversivo, e moderado por Srećko
Horvat.
«Srećko Horvat: Então,
a pergunta seguinte é sobre quem são os aliados potenciais do Syriza nesse
combate. (…)
Slavoj
Žižek: (…) O ponto cuja importância me interessa sublinhar, como tu muito
bem fizeste, refere-se à
questão das alianças. Há uma ideia que repito regularmente, mas que gostaria de
retomar mais uma vez. As grandes revoluções não me fascinam, como sabes — um
milhão de pessoas na Praça Tahrir, uma espécie de orgasmo colectivo, todos a
gritarmos ao mesmo uma espécie de orgasmo colectivo, todos a gritarmos ao mesmo
tempo, e todos unidos. Sim, está muito bem, mas a verdadeira questão é, para
mim, a do dia seguinte. Posso imaginar o triunfo, e Atenas em peso a cantar
vitória, se o Syriza vencer. Mas, e depois? O que me interessa, e a ti também,
Alexis, porque és um tipo sério, é o que a vossa vitória significará para a
vida das pessoas comuns depois desta voltar ao normal? E é aqui que assume toda
a importância a ideia já referida das alianças inteligentes. Porque há uma afirmação
tua que pode ser mal interpretada: a ideia do Syriza será simplesmente tirar
aos ricos para dar aos pobres? Todos sabemos, com efeito, que a simples
redistribuição não basta, e devemos ser muito cuidadosos ao lidar com o
problema. Uma vez que, pelo menos durante algumas décadas mais, continuaremos a
viver em regime capitalista, gostaria de recuperar aqui o conceito um tanto misterioso
de “burguesia patriótica”, como se dizia nos velhos tempos do comunismo. É um
termo que se refere aos capitalistas que, devido ao lugar que ocupam, não são
simplesmente parte de uma máfia internacional de exploradores, mas estão
efectivamente interessados em produzir para as pessoas, etc. Portanto, creio
ser essencial sublinhar, a propósito das medidas redistributivas que perspectivaste,
que não se trata de atacar simplesmente os ricos em geral, mas de aplicar uma
estratégia cuidadosamente concebida. Por disparatado que possa parecer, gosto
de imaginar que o Syriza deverá — no quadro de uma redistribuição global —
facilitar também a vida dos capitalistas verdadeiramente produtivos. (…) Portanto,
faz-se sentir aqui a
necessidade, como disseste, de alianças amplas e não ortodoxas, o que parece
essencial para convencer as pessoas de que o Syriza pretende algo diferente de
desencadear uma revolução esquerdista tresloucada — o Syriza deveria até
modernizar o Estado grego, torná-lo Finalmente
eficaz e até mesmo muito mais “burguês”. E temos aqui uma oportunidade para o
Syriza: vocês terão de fazer a tarefa honesta que os membros da classe
capitalista dominante não foram, eles próprios, capazes de fazer. Mas, como tu
dizias, será necessário bastante bom senso. Não sei se te dás conta que, devido
à tentação que a ortodoxia exerce sobre a esquerda — “não atraiçoemos os nossos
princípios, sejamos radicais” —, a esquerda radical secretamente, e ao
contrário do que o Syriza faz e me leva a admirá-lo, não quis nunca ter poder, e os seus membros preferiram manter-se no papel de profetas
negativos. Vocês têm uma oportunidade única, e é por isso que, sendo ateu,
declaro agora, na minha qualidade de ateu, que todas as minhas preces são para
rezar por vocês.
Srećko
Horvat: Gostava de voltar a uma questão anterior levantada pelo Slavoj — a
questão do dia seguinte. Sabemos que o Syriza é uma coligação muito ampla, e
vocês foram capazes de se libertar efectivamente desse problema clássico que a
divisão entre fracções tem sido para todos os grupos esquerdistas. Há um
magnífico artigo de Georg Lukács, intitulado “Hotel Abgrund” (“Hotel Abismo”),
que descreve esse lugar onde todos os esquerdistas se reúnem, e bebem vinho ou
polemizam uns com os outros, a um passo da beira do abismo. Creio que o Syriza
se apercebeu da ameaça do abismo, e que isso o levou a evitar a divisão em
fracções. A minha pergunta é sobre como conseguiram vocês levar a cabo essa tarefa
e formar uma coligação tão ampla, e com tal sucesso que, há dizer-me que, na realidade, o
Syriza estava prestes a transformar-se num
partido e a deixar de ser uma simples coligação.
Alexis
Tsipras: Para ser franco, devo dizer que nem nós próprios sabemos bem como
isso aconteceu. Creio que essa transformação do Syriza foi obra das pessoas,
mais do que do próprio Syriza. (…) Propus, portanto, que mudássemos os termos
do registo, a fim de beneficiarmos do bónus no caso de sermos o partido mais
votado. Toda a gente pensou que eu estava louco, porque ninguém, nem eu
próprio, acreditava que estivéssemos tão perto de chegar ao poder. Se eu
tivesse feito a minha proposta de unificação, de transformar a coligação num
partido unificado, antes das primeiras eleições de 2012, ninguém a teria apoiado.
Mas, logo a seguir, no dia das eleições, foram as pessoas que votaram a reclamar
a transformação do Syriza, a incumbir-nos da
tarefa de nos tornarmos a principal força política do país, e de tentarmos unir
toda a esquerda, e não só a esquerda. Se analisarmos os resultados eleitorais,
descobriremos duas grandes divisões — uma divisão em termos de classe e uma
divisão etária. Os que votaram em nós eram jovens, por um lado, e, por outro, trabalhadores
e membros da classe média: nas zonas operárias da Grécia, obtivemos 40 por
cento dos sufrágios; nas zonas burguesas, 15 por cento — e, do ponto de vista
etário, atingimos os 45 por cento entre os eleitores cuja idade se situava
entre os 18 e os 45 anos, e 15 por cento entre os que tinham mais de 60 anos.
Durante a campanha, dizíamos a brincar que, para conseguirmos vencer, teríamos
de fechar em casa os nossos avós. Devo dizer que houve aqui uma grande
transformação no sistema de crenças das pessoas, e julgo que aquilo que se
passou com o Syriza não significa uma adesão da maioria à esquerda radical, mas
uma transformação radical das pessoas, que começaram a tentar pensar livres de
tabus políticos: as pessoas queriam uma mudança muito grande e profunda, e
viram em nós a única força política grega capaz de fazer o que prometia. E
acontece também que nós continuamos com as mãos limpas. Ninguém espera que o
Syriza transforme a situação de um momento para o outro, mas toda a gente espera
que não mudemos as nossas posições, ainda que os nossos inimigos nos ataquem.»