No seu
blogue, Da Literatura, Eduardo Pitta afirma, a propósito da recente tradução de
Ulisses por Jorge Vaz de Carvalho, que «não faz sentido acrescentar uma tradução às precedentes se o tradutor não explicar as suas “razões”»,
tendo «de haver uma razão
muito forte para o fazer».
Antes, lembrara que existiam já cinco edições em língua portuguesa (quatro no
Brasil, entre as quais a recente e premiada de Caetano Galindo, e a portuguesa
de João Palma-Ferreira).
Qualquer leitor
atento, e, por maioria de razão, um crítico, entenderá os critérios de tradução
que Jorge Vaz de Carvalho seguiu lendo algumas páginas da sua tradução.
E, do ponto
de vista do editor, a existência de quatro traduções brasileiras não poderia
ser considerada razão para não publicar uma nova em Portugal.
As
significativas diferenças de sintaxe e léxico entre os dois países são
potenciadas numa obra em que abundam as construções invulgares, diferentes
linguagens, inúmeros neologismos e um léxico de cerca de 30 mil palavras.
Algumas
páginas da apenas razoável tradução de Antônio Houaiss e da bem mais
conseguida, sobretudo na primeira parte, de Caetano Galindo são difíceis e
penosas para um leitor português.
Resta a
tradução de João Palma-Ferreira, de há 29 anos. Somos da opinião de que cada
geração deve ter uma nova tradução dos clássicos, pois, ao contrário do que
sucede com os textos originais, elas sofrem a usura do tempo.
A tradução de
João Palma-Ferreira é esforçada. Mas muitas vezes se recusa a enfrentar os
problemas colocados pela escrita de Joyce, recorrendo a paráfrases
explicativas. Além disso, Palma-Ferreira foi influenciado pela opinião de
Stuart Gilbert, forçando as analogias com a Odisseia de Homero,
paralelismo que o próprio Joyce abandona na edição em livro (suprimindo até os
títulos que o sugeriam quando fora sendo publicado em revistas).
Transforma
assim os ecos genéricos da Odisseia em situações concretas. Um caso-limite
é a comparação que Palma-Ferreira faz (em nota nas páginas 796-797) entre o
conhecido monólogo de Molly Bloom e o episódio de Penélope da Odisseia.
Ora, nada há de semelhante entre o desenvolto, inorgânico e por vezes quase obsceno
monólogo de Molly Bloom e a imagem de persistente lealdade da Penélope de
Homero. Para forçar o que considera uma analogia óbvia, Palma-Ferreira chega ao
ponto de referir, em defesa da sua tese, que Penélope era filha de um espartano
e Molly de um membro da guarnição britânica de Gibraltar.
Francisco Vale
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