«O que eu quero contar é tão
delicado quanto a própria vida. E eu quereria poder usar a delicadeza que
também tenho em mim, ao lado da grossura de camponesa que é o que me salva. (…)
Até mais que
treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam
de fatos da vida. (…) As minhas colegas de ginásio sabiam
de tudo e inclusive contavam anedotas a respeito. Eu não entendia mas fingia
compreender para que elas não me desprezassem e à minha ignorância. (…) Até que
um dia, já passados os treze anos, como se só então eu me sentisse madura para
receber alguma realidade que me chocasse, contei a uma amiga íntima o meu
segredo: que eu era ignorante e fingira de sabida. Ela mal acreditou, tão bem
eu havia antes fingido. Mas terminou sentindo minha sinceridade e ela própria
encarregou-se ali mesmo na esquina de me esclarecer o mistério da vida. (…)
Porque o mais surpreendente é que,
mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba
que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos
secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache
vergonhoso, é pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.»
Por acordo com a editora Relógio D’Água, o Ípsilon publicou nove crónicas de
Clarice Lispector, ou seja, uma por semana durante a Exposição que lhe é
dedicada na Fundação Calouste Gulbenkian. Os textos são extraídos de A Descoberta do Mundo.
Hoje, 14 de Junho, foi publicada a última, intitulada «A
Descoberta do Mundo», de que acima se reproduz um excerto.
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