Há uma explicação possível para o fracasso das sondagens nas «europeias», tendo em conta que as técnicas de amostragem foram semelhantes às do passado. É a de as próprias sondagens terem interferido nos votos com um efeito contrário ao habitual (a maioria das pessoas junta-se, em geral, aos vencedores, e foi assim que até agora as sondagens funcionaram).
Embora seja uma hipótese a necessitar de investigação, é provável que na previsão de uma vitória do PS, os seus eleitores descontentes, a começar pelos professores, tenham achado preferível uma praia algarvia a confirmar a arrogância de um governo cuja continuação nem sequer estava em causa. Por seu lado, os votantes centristas, preocupados com o desaparecimento do CDS nas sondagens e na perspectiva de um reforço do BE e do PCP, decidiram ignorar as «pontes».
O curioso é que desde há muito que alguns livreiros aplicam o método dos «reflexos miméticos» nos tops de vendas que divulgam ou expõem nas lojas (e o mesmo se poderia dizer das editoras que colocam cintas com referências à enésima edição ou imprimem nas capas fabulosos números de vendas num qualquer país). Constata-se, com alguma frequência, que os tops de uma dada livraria ligada a um grupo editorial tem as respectivas obras bem mais destacadas do que o estão numa livraria «neutra» ou ligada a outro grupo. Claro que o facto de as exporem melhor pode suscitar maior procura, mas isso terá sempre um efeito marginal. Ou seja, o livreiro interessado na venda de obras do seu grupo ou que adquiriu um elevado número de exemplares a uma distribuidora para obter um desconto adicional, apresenta-as como as mais vendidas para criar um efeito de «mimetismo» mediático, que leva potenciais leitores a procurá-los para não perderem o conforto do mainstream. Foi o que se verificou com as sondagens onde no passado foi frequente a sua apresentação, pelos partidos por elas favorecidos, como votações garantidas, o que explica que tenham podido ser agora consideradas um dado objectivo.
O que se passou com as «europeias» é que, num dado contexto, o «feitiço se voltou contra o feiticeiro».
E como a actual crise foi também criada por mimetismos de consumo, só podemos desejar que o mesmo se passe com os tops de vendas de livros e a indicação de vendas astronómicas nas capas, ou seja, que os leitores os ignorem e privilegiem sugestões de outros leitores, o que dizem os críticos e as suas intuições e referências.
Claro que não se trata de insinuar que os livros que constam dos tops de vendas são necessariamente maus. Existe já um amplo público leitor exigente que tem noção de que um livro nem sempre fácil lhe pode dar um prazer bem maior do que os o concedido pela última encomenda de uma editora a uma qualquer apresentadora de talk shows televisivos. Mas é sabido que aquilo que Umberto Eco designa por paraliteratura é o género que fornece a maior parte dos bestsellers. Trata-se, então, de pensar: «Já venderam que chegue.»
Francisco Vale
Embora seja uma hipótese a necessitar de investigação, é provável que na previsão de uma vitória do PS, os seus eleitores descontentes, a começar pelos professores, tenham achado preferível uma praia algarvia a confirmar a arrogância de um governo cuja continuação nem sequer estava em causa. Por seu lado, os votantes centristas, preocupados com o desaparecimento do CDS nas sondagens e na perspectiva de um reforço do BE e do PCP, decidiram ignorar as «pontes».
O curioso é que desde há muito que alguns livreiros aplicam o método dos «reflexos miméticos» nos tops de vendas que divulgam ou expõem nas lojas (e o mesmo se poderia dizer das editoras que colocam cintas com referências à enésima edição ou imprimem nas capas fabulosos números de vendas num qualquer país). Constata-se, com alguma frequência, que os tops de uma dada livraria ligada a um grupo editorial tem as respectivas obras bem mais destacadas do que o estão numa livraria «neutra» ou ligada a outro grupo. Claro que o facto de as exporem melhor pode suscitar maior procura, mas isso terá sempre um efeito marginal. Ou seja, o livreiro interessado na venda de obras do seu grupo ou que adquiriu um elevado número de exemplares a uma distribuidora para obter um desconto adicional, apresenta-as como as mais vendidas para criar um efeito de «mimetismo» mediático, que leva potenciais leitores a procurá-los para não perderem o conforto do mainstream. Foi o que se verificou com as sondagens onde no passado foi frequente a sua apresentação, pelos partidos por elas favorecidos, como votações garantidas, o que explica que tenham podido ser agora consideradas um dado objectivo.
O que se passou com as «europeias» é que, num dado contexto, o «feitiço se voltou contra o feiticeiro».
E como a actual crise foi também criada por mimetismos de consumo, só podemos desejar que o mesmo se passe com os tops de vendas de livros e a indicação de vendas astronómicas nas capas, ou seja, que os leitores os ignorem e privilegiem sugestões de outros leitores, o que dizem os críticos e as suas intuições e referências.
Claro que não se trata de insinuar que os livros que constam dos tops de vendas são necessariamente maus. Existe já um amplo público leitor exigente que tem noção de que um livro nem sempre fácil lhe pode dar um prazer bem maior do que os o concedido pela última encomenda de uma editora a uma qualquer apresentadora de talk shows televisivos. Mas é sabido que aquilo que Umberto Eco designa por paraliteratura é o género que fornece a maior parte dos bestsellers. Trata-se, então, de pensar: «Já venderam que chegue.»
Francisco Vale
Tem muita razão na análise que faz, mas peca por só apontar esse tipo de mimetismos às livrarias ligadas a grupos editoriais. Veja-se o caso da Pó dos Livros, livraria aparentemente "neutra" e independente em cujos tops estão sistematicamente livros da Tinta da China, e normalmente nos lugares cimeiros. Sabemos todos das ligações familiares que unem o dono da dita livraria e a editora da Tinta da China; quer-me parecer que também nestes casos os tops são adulterados, o que nos pode levar a pensar que em Portugal (e eventualmente pelo mundo fora) não existem tops verdadeiros...
ResponderEliminarCaro Fiel de Armazém,
ResponderEliminarO Top livro da Pó dos livros será tão «manipulado» como todos os outros.
Só como chamada de atenção, os top livros da Pó dos livros (como pode verificar no desta semana) têm também sistematicamente livros de outras pequenas editoras como por exemplo: Relógio D’Água, Fenda, Letra livre, Planeta Tangerina, Sextante, Cotovia, Cavalo de Ferro, Bruaá, etc. De facto uma livraria vocacionada para pequenas editoras.
As ligações familiares sempre foram públicas e assumidas o que não quer dizer que as empresas sejam uma e a mesma coisa, têm corpos sociais bem diferentes.
Jaime Bulhosa
Nada do que escreve Jaime Bulhosa rebate aquilo que eu escrevi; e note-se que o escrevi não como ataque à Pó dos Livros, mas antes como complemento ao que escreveu Francisco Vale.
ResponderEliminarA minha questão era exactamente a de que em todas as livrarias os tops seriam manipulados; as razões dessa manipulação é que poderão e serão certamente diferentes
Aqui há tempos, em conversa com um amigo, decidimos que o único Top Ten digno de confiança é o dos livros que nos roubaram - ou que emprestámos e os nossos amigos se esqueceram de devolver.
ResponderEliminarE desatámos logo a fazer o nosso:
Por exemplo, já comprei os "Diálogo das compensadas" umas três vezes.
A "Directa" do N. Bragança, a "Balada para dois coronéis..." do Mário de Carvalho, duas.
E, em tempos muito idos, desapareceram-me os Queneau todos - eram dois - e alguns livros de filosofia, dos que já não há.
Não falámos, claro, dos nossos próprios pequenos roubos...