9.9.24

Sobre Canção do Profeta, de Paul Lynch

 «O que torna a narrativa de “Canção do Profeta” tão enigmática é o facto de assistirmos ao colapso de uma democracia sem nunca termos uma compreensão clara do que se está a passar. A história é contada pelo avesso, como que em surdina. Lynch foca-se na dinâmica da família em erosão e é através dela, e só dela, que o leitor pode discernir, como um eco de um eco, os efeitos do novo regime na vida concreta das pessoas e intuir o que se passa na escala maior dos acontecimentos. A sensação de claustrofobia é acentuada pela estrutura dos capítulos, compostos por blocos de escrita densa, parágrafos longos que integram os pensamentos das personagens, os diálogos e os lugares da ação (quase sempre lúgubres, sombrios, chuvosos) no mesmo fluxo verbal, sem quaisquer quebras ou sinais que os distingam uns dos outros. […]

O que Lynch faz, numa engenhosa inversão, é obrigar-nos a olhar para esta odisseia terrível de meia dúzia de pessoas como nós e lembrar-nos que isto é algo que sempre aconteceu e continua a acontecer, só que neste caso se perde a abstração da distância, ganhando-se o travo amargo do reconhecimento, porque estamos mais próximos de Eilish do que de uma mãe em tudo semelhante, mas síria. E porque “o fim do mundo é sempre um acontecimento local, chega ao nosso país e visita a nossa cidade e bate à porta da nossa casa, e aos olhos dos outros não é mais do que um aviso distante, um breve relato nas notícias, um eco de acontecimentos que entretanto passaram a lenda”.» [José Mário Silva, E, Expresso, 30/8/2024: https://expresso.pt/revista/culturas/livros/2024-08-29-livros-paul-lynch-viaja-ao-coracao-das-trevas-numa-irlanda-em-guerra-e-em-ruinas-ea018f47]


Esta edição de Canção do Profeta, com tradução de Marta Mendonça, foi publicada com o apoio da @Literature Ireland


O livro está disponível em https://www.relogiodagua.pt/produto/cancao-do-profeta-premio-booker-2023/

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