«Frederico Pedreira volta ao romance, ponde em diálogo temas e obsessões dos seus outros livros. Sonata para Surdos junta-os numa conversa guiada por memória e imaginação sobre os limites da linguagem. Tudo a partir de uma cidade saturada de ficção, palavras, imagens, sons: Veneza. Como recomeçar nesse ruído?
— Depois de “A Lição do Sonâmbulo”, romance assumidamente autobiográfico chega um narrado na segunda pessoa, mas com um protagonista com muitos pontos em comum com o autor. A autobiografia persiste?
— Em tudo o que faço. Só consigo falar a partir dessa base biográfica, mesmo que isso depois me leve para caminhos da imaginação um bocadinho mais transversais à biografia. Neste caso, há imensa coisas biográfica. Itália, Veneza, a minha estada por lá, a ligação à vila. Esse transporte constante Veneza-vila alentejana tem um fundamento biográfico. O que não tem fundamento biográfico é o próprio acto da escrita e desse transporte que é um dispositivo ficcional, porque as duas experiências não coincidiram cronologicamente. Como já tinha feito noutros livros, tento conjugar certos momentos da minha vida, experiências, e combiná-los para criar um efeito narrativo, às vezes supostamente poético. Mas interessa-me, sobretudo, o jogo da memória e da imaginação; o olhar retrospectivo e o olhar perspectivo. O olhar perspectivo seria a combinação desses jogos de memória, aquilo que me faz olhar para o caminho da escrita como um caminho ainda virgem. Não consigo escrever sem a parte da biografia, falta-me imaginação para criar mundos diferentes, realidades diferentes. Para o bem ou para o mal, aquilo que Flaubert dizia da Bovary posso dizer acerca de algumas personagens deste livro. Transporto-me sempre um bocadinho para todas, mas, se tivesse de escolher uma, talvez pela sua confusão conceptual, seria este Francisco.» [Entrevista de Isabel Lucas, ípsilon, Público, 23/2/2024: https://www.publico.pt/2024/02/23/culturaipsilon/entrevista/frederico-pedreira-escrita-privilegio-reino-onde-dono-senhor-2080929]
Sonata para Surdos e outras obras de Frederico Pedreira estão disponíveis em https://www.relogiodagua.pt/autor/frederico-pedreira/
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