2.11.23

De Um Cão Que Sonha, de Agustina Bessa-Luís

 



«Um dia quente como aquele não servia para doentes e defuntos. Além do mais, o préstito devia fazer ‑se na hora sufocante do meio‑dia, para evitar o trânsito e poder ignorar os semáforos. Ser conduzido à última morada (ninguém sabe se é a última, porque as ossadas são varridas dos sepulcros de tempos a tempos, dispersando‑se os fémures e as caveiras com atroz simplicidade de meios) numa cidade, embora pequena, resultava incómodo. Não era possível manter a ordem na fila dos acompanhantes e a todo o momento era preciso dar passagem a um apressado, que gesticulava dentro do carro como se estivesse a ser acometido por um enxame. O viúvo disse:

— Não se podia escolher outro caminho?

O motorista sorria com desprezo. Estava na casa há vinte e dois anos e era ‑lhe desagradável aceitar sugestões, já não digo ordens, duma pessoa que tinha conhecido de calção.» [p. 21]


Um Cão Que Sonha e outras obras de Agustina Bessa-Luís estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/agustina-bessa-luis/

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