«Um dia quente como aquele não servia para doentes e defuntos. Além do mais, o préstito devia fazer ‑se na hora sufocante do meio‑dia, para evitar o trânsito e poder ignorar os semáforos. Ser conduzido à última morada (ninguém sabe se é a última, porque as ossadas são varridas dos sepulcros de tempos a tempos, dispersando‑se os fémures e as caveiras com atroz simplicidade de meios) numa cidade, embora pequena, resultava incómodo. Não era possível manter a ordem na fila dos acompanhantes e a todo o momento era preciso dar passagem a um apressado, que gesticulava dentro do carro como se estivesse a ser acometido por um enxame. O viúvo disse:
— Não se podia escolher outro caminho?
O motorista sorria com desprezo. Estava na casa há vinte e dois anos e era ‑lhe desagradável aceitar sugestões, já não digo ordens, duma pessoa que tinha conhecido de calção.» [p. 21]
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