31.5.23

José Pinho, o Livreiro Que Subverteu a Edição

 


José Pinho foi o livreiro que mais contribuiu para transformar a paisagem editorial portuguesa nas últimas décadas.

Era um homem de projectos improváveis, e por vezes improvisados, mas que inexplicavelmente resultavam.

Foi dele o lançamento da Ler Devagar (nome que só por si é um programa), uma cooperativa com dezenas de associados.

O seu projecto maior foi o Folio, que transformou a imagem de Óbidos, associando-a a um festival internacional e enchendo a vila de livrarias em locais por vezes inverosímeis. Era possível encontrá-lo lá, numa igreja a que deu um uso laico, sacerdote profano pontificando diante de um altar de pilhas de livros.

Procurou trazer a vetusta Ferin para os dias de hoje, o que não era fácil e só em parte conseguiu.

Fazia parecer naturais ou até inevitáveis projectos que antes dele ninguém tentara ou sequer imaginara — mas era também capaz de se inspirar no que de melhor lá fora se fazia, do festival de Paraty à aldeia dos livros no País de Gales.

Nunca esmoreceu com desaires como o da livraria na Braço de Prata ou a Ler Devagar na Culturgest.

Revelou talentos de arquitecto para fazer algumas das mais belas livrarias, jogando com a vastidão das paredes, recantos, paletes, uma escada em caracol, ou mesmo velhos armários que outros teriam rejeitado por decrépitos e inúteis.

Dirigiu as várias edições do Festival Internacional de Literatura e Língua Portuguesa, Lisboa 5L. O Centro Cultural e Social do Bairro Alto foi o seu último projecto, e ainda me recordo de o ver, num impecável fato branco, saltar entre escadas ainda desfeitas e paredes em reconstrução, indicando os locais onde a sua imaginação instalara livrarias, estúdios de gravação e cinema, uma galeria de arte e a sala de concertos onde um piano parecia aguardar que o arrancassem ao isolamento e ao silêncio.

Era perspicaz, voluntarioso, e a sua confiança nos outros fazia com que confiassem nele. Tinha também uma inabalável confiança nos dias que passavam, mesmo sabendo-se há muito ameaçado pela doença.


Francisco Vale

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