«1. Múltiplas e imediatas são as dificuldades que se levantam a quem aborda a obra de Eduardo Lourenço com o fito de nela encontrar linhas de força visíveis: primeiro, a necessidade de seguir os meandros de um pensamento complexo, expresso numa escrita densa que se desdobra em estratos diversos de sentido, sob pena de simplificar e reduzir o que se quis deliberadamente profuso, labiríntico, inesgotável; obrigando assim a desvios metodológicos e heterodoxias várias, e sobretudo a uma distância em relação ao seu trabalho, em nome precisamente dos seus próprios princípios. Depois, o âmbito considerável da obra, que se abre para inúmeros campos, filosófico, literário, artístico, político, histórico; obra que se vai construindo paradoxalmente ao acaso dos acontecimentos, mas seguindo sempre a lógica singular de um mesmo pensamento crítico: “work in progress”, que vai pensando a modernidade e a produção cultural mais recente. De Eduardo Lourenço se poderia também dizer que “não evolui, viaja”, e no entanto, ele é capaz de acompanhar as mais finas mutações da obra de um escritor, como se a sua, de pensador e crítico, dispusesse sempre dos instrumentos conceptuais aptos a captar os movimentos da contemporaneidade mais imediata.
Enfim, existe uma outra dificuldade que é já uma lacuna paradoxalmente, não há estudos de fundo sobre a sua influência na literatura e na cultura portuguesas, nada sobre o impacto que teve e tem nos escritores, políticos, e na “inteligentzia” em geral. Quando esses estudos surgirem — e surgirão um dia, certamente —, bom seria que participassem dessa mesma vida inquieta do espírito, atenta ao real e ao presente móbil e recusando toda a forma de autcomplacência que caracteriza o pensamento do autor do Labirinto da Saudade.»
[José Gil, do texto «O Ensaísmo Trágico», publicado em O Ensaísmo Trágico de Eduardo Lourenço, de José Gil e Fernando Catroga, Relógio D’Água, 1996.]
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