«Por mais que as várias centenas de milhares de pessoas reunidas num pequeno espaço procurassem desfigurar aquela terra em que se apinhavam, por mais que cobrissem a terra de pedras para que nela nada crescesse, por mais que arrancassem cada ervinha que nascia, por mais que a defumassem com carvão de pedra e com petróleo, por mais que cortassem as árvores e enxotassem todos os animais e todos os pássaros, a primavera continuava a ser primavera mesmo na cidade. O sol aquecia; a erva, revivescendo, crescia e verdejava por todo o lado, não apenas nos relvados dos bulevares, mas também entre as lajes de pedra; as bétulas, os choupos, a cerejeira‐brava deitavam os seus gomos e folhas aromáticas; as tílias inchavam os seus botões que eclodiam; as gralhas, os pardais e os pombos preparavam já com alegria primaveril os seus ninhos, e as moscas zumbiam junto aos muros aquecidos pelo sol. Alegravam‐se as plantas, e os pássaros, e os insetos, e as crianças. Mas as pessoas — as pessoas crescidas, os adultos — não paravam de se enganar e atormentavam‐se a si próprios e uns aos outros. As pessoas achavam que o sagrado e importante não era aquela manhã primaveril, não era aquela beleza do mundo de Deus, dada para bem de todos os seres, essa beleza que predispunha para a paz, para a concórdia e para o amor; mas que o sagrado e importante era aquilo que eles inventavam para se dominarem uns aos outros.» [p. 11]
Ressurreição (trad. António Pescada) e outras obras de Lev Tolstoi estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/lev-tolstoi/
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