11.11.19

Sobre O Riso, de Henri Bergson




«Talvez ler O Riso, de Henri Bergson, que a Relógio d’Água agora recupera, ajude a tornar esta discussão menos sensaborona. O conjunto de três ensaios, publicados originalmente na Revue de Paris em 1899, tem como premissa tentar compreender os processos de fabricação do cómico em vez de o reduzir a fórmulas simples e vastas, como as que o definem como um ‘contraste intelectual’ ou um ‘absurdo sensível’, visto que essas fórmulas não distinguem com exatidão coisas que nos fazem rir de que coisas a que não achamos piada.
Para Bergson, o riso tem uma função purgativa. Segundo o filósofo francês, rimo-nos do mecanizado, da rigidez do mecanismo (“Resolve-se deste modo o pequeno enigma proposto por Pascal numa passagem dos seus Pensamentos: ‘Dois rostos semelhantes, dos quais nenhum em particular nos faz rir, fazem-nos rir juntos pela sua semelhança’. Da mesma maneira se poderia dizer: ‘Os gestos de um orador, não sendo nenhum deles ridículo por si só, fazem-nos rir pela sua repetição’. Porque a vida viva não deveria repetir-se. Onde há repetição, semelhança completa, suspeitamos da existência de um mecanismo funcionando por trás do ser vivo”). Tornamo-nos risíveis, portanto, quando nos autonomizamos e permitimos que a vida e o hábito ajam por nós, quando perdemos a elasticidade e nos abandonamos ao ponto de nos tornarmos caricaturais. […]

No entanto, a mecanização não basta. Para se gerar o riso, é necessário que um grupo de pessoas (o riso, defende Bergson, é sempre um riso comunitário) dirija a sua atenção para um membro que reduz ao silêncio e do qual momentaneamente se afasta. Feito isto, para que se possa rir, o grupo tem de se tornar insensível em relação ao sujeito que excluiu. Daqui decorre, evidentemente, que redes sociais que reduzem pessoas a duzentos e oitenta caracteres ou menos sirvam na perfeição o cómico, por permitirem tornar pessoas em abstrações, retirando-as de um envolvimento que as humanize. Tornar pessoas num conjunto pequeno de palavras descontextualizadas provoca, por isso, um riso tão fácil como o que é gerado por piadas acerca de comunidades percecionadas como diferentes da nossa (ciganos, loiras, alentejanos, etc.).» [João Pedro Vala, Observador, 2/11/2019. Texto completo em https://observador.pt/2019/11/02/henri-bergson-e-os-limites-do-humor/ ]

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