28.10.19

Na morte de José Bento



Morreu José Bento, poeta e tradutor

Faleceu sábado, 26 de Outubro, o poeta e tradutor José Bento. Nas últimas semanas tivera períodos de internamento hospitalar, devido ao agravamento do seu estado de saúde.
O seu enterro realiza-se hoje em Aveiro, numa cerimónia reservada a familiares. Nascido em Pardilhó, há 86 anos, José Bento foi professor do ensino secundário e autor de um manual de contabilidade que teve dezenas de edições e lhe permitiu, como ele reconhecia com ironia, dedicar-se às tarefas literárias. Participou em revistas como Cassiopeia, Árvore, Brotéria, O Tempo e o Modo e Colóquio/Letras. Deixou-nos um conjunto de traduções de alguns dos principais escritores de língua castelhana e uma obra poética própria.


Para esta editora traduziu, entre outros, D. Quixote, de Cervantes, e poesia de García Lorca, Juan Rámon Jimenez, Bécquer, César Vallejo e Pablo Neruda e a prosa de María Zambrano e Javier Marías. Traduziu ainda, sobretudo para a Assírio & Alvim, de Hermínio Monteiro e Manuel Rosa, e a Inova, de Cruz Santos, obras de Calderon de la Barca, San Juan de la Cruz, Santa Teresa de Ávila, Vicente Aleixandre, Jaime Gil de Biedma, Miguel Hernández, Jorge Manrique e Octavio Paz ou Jorge Luis Borges.
Organizou várias antologias, com destaque para as da Poesia Espanhola do Siglo de Oro e a Poesia Espanhola Contemporânea. 


A Relógio D’Água publicou o seu terceiro livro de poesia, Silabário (uma antologia com vários inéditos), distinguido com o Prémio D. Dinis, Casa de Mateus 1992. Em 2011, publicou Sítios, na Assírio & Alvim.
José Bento recebeu vários prémios, entre os quais o PEN Clube de Tradução e o Grande Prémio de Tradução Literária 2004 da Associação Portuguesa de Tradutores, Prémio Luso-Espanhol de Arte e Cultura 2006 e o prémio Tributo de Consagração 2018 da Fundação Inês de Castro.
Mereceu de muitos leitores, críticos e editores não apenas a estima pela sua obra, mas uma profunda admiração pelo modo franco, quase agreste, e ao mesmo tempo terno com que se relacionava com todos os que o conheceram. A limpidez e alegria do seu olhar será lembrada nos dois lados da fronteira ibérica por aqueles para quem a memória dos que partiram não é um cemitério vazio.
O seu livro Silabário é dedicado «Aos meus vivos e aos meus mortos, sempre vivos em mim».

«Madrigal à Chuva

Chove no teu pequeno rosto, chove
quanto não saberei, e não sei nada.
E todo o tempo que me tem ferido
vai-se decantando nesta chuva.
— Que árvores estas, se não podem aplacá-la?

Cheguei de longe, esqueci quando, e chove.
Meu país é um adeus, a casa dizimada:
alcancei enfim morada, e és tu,
pequeno rosto sobre o qual a chuva
é voz íntima, cálida.

Estagnam barcos no rio surdo, e chove.
Nuvens oprimem com rigor perverso.
Enleio-me em teu pequeno rosto,
fogo interior da chuva onde se embebe
um sussurro a fender tanto silêncio.»

A Relógio D’Água está a preparar a edição de algumas peças de García Lorca por ele traduzidas («A Sapateira Prodigiosa», «Yerma», «Dona Rosinha, a Solteira, ou A Linguagem das Flores», «A Casa de Bernarda Alba» e «Quando Passarem Cinco Anos — Lenda do Tempo»).

Francisco Vale

Sem comentários:

Enviar um comentário