«Regressa-nos […] o livro À Beira do Mar de Junho. A primeira edição é de 1982, pela Regra do Jogo, e chega agora uma terceira pela Relógio D’Água, que conta no seu catálogo com outros títulos do autor como O Lugar do Poço (1997), Bellis Azorica (1999), Invisíveis Correntes (2004) ou o mais recente Fuck The Polis (2018). Em quase meio século de produção poética, literária e ensaística, Fernandes Jorge convoca com bastante assiduidade outras linguagens artísticas – pinturas, esculturas, desenhos, esquissos, cerâmicas, museus inteiros, igrejas –, tecendo diálogos cultos com múltiplas referências culturais de diferentes momentos da História. Tal sucede, por exemplo, com livros como Crónica (1977), Museu das Janelas Verdes (2002) ou Mirleos (2015), neste último referindo-se o autor às “admiráveis ruínas” do fórum romano de Coimbra, expandindo as possibilidades da écfrase (isto é, numa definição muito rudimentar, a descrição verbal de artefactos não verbais – ofício que Fernandes Jorge transgride na sua literalidade, ao ler os rudes vestígios de outros séculos a partir do vigor íntimo do poeta, contagiando-se o passado com o presente, dialetizando-se as épocas, os estilos e os discursos).
Mas À Beira do Mar de Junho não reenvia para as pinturas de Vieira da Silva, nem para esboços de Rui Chafes, nem faz alusões a Mark Rothko ou à fotografia de Douane Michaels, para citar algumas presenças de outras artes na poesia do autor. A epígrafe – “Quaestio de aqua et terra” – alinha a leitura deste livro com um horizonte mais elementar, mas não necessariamente mais simples ou acessível. Água e terra, a casa e o mar, as coisas e os afetos, essas parcelas fragmentadas que perpassam pelo corpo sem aspirarem, contudo, a uma totalidade definitiva: este corpo não é mais a soma inequívoca das suas partes, mas o lugar onde os equívocos se dão, um fugaz pretexto para fazer cintilar em três versos um problema moroso da filosofia ocidental: “A quantidade que subsiste na substância / é composta de unidades? / Mas que dizes tu da unidade?”» [Diogo Martins, i, 16/7/2019. Texto completo em https://ionline.sapo.pt/artigo/665198/a-alma-irredutivel-de-tudo-isto-que-escreve-joao-miguel-fernandes-jorge-?seccao=Mais ]
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