12.11.18

Apresentação de Um Bailarino na Batalha de Hélia Correia na Livraria Ferin, em Lisboa




O romance Um Bailarino na Batalha de Hélia Correia vai ser apresentado na Livraria Ferin, na Rua Nova do Almada, n.º 72, em Lisboa, hoje, 12 de Novembro, segunda-feira, às 18:30.
O livro será apresentado pelo filósofo José Gil.

Um Bailarino na Batalha é o primeiro romance de Hélia Correia depois de Adoecer.
Num português que foi considerado por Eduardo Lourenço um dos mais magnificentes da literatura portuguesa, Hélia Correia aborda de um modo singular a migração de um povo que atravessa parte do continente africano em direcção à Europa.
São homens e mulheres que procuram desesperadamente alcançar o mar, que é, neste caso, símbolo da fuga à miséria.
Nessa caminhada vão-se alterando as relações entre homens e mulheres.

«Pesados como pedras, no entanto velozes como pedras, eles caminham, os últimos errantes, uns poucos dias mais adiante, os poucos dias que os separam da música dos ossos. Eles caminham, os últimos errantes, embatendo uns nos outros, repelindo, à força de olhos e de cotovelos, à força daquele ronco que lhes bate, mais do que o coração, dentro do peito, repelindo e chamando, concentrados na marcação das cenas animais, na coreografia da matilha. Pois tudo aquilo que séculos, milénios, foram acumulando, abstracções, certa elegância na sobrevivência, as leis cujo poder suspende a faca e faz descer a faca, tudo era fácil de rasgar, tudo era um mero adorno, um véu de rapariga, algo que não resiste à impiedade.

Agora dormem agitadamente, entregues uns aos outros, confiando primeiro nos laços de família, só depois na vizinhança, e confiando pouco, enfurecidos contra os próprios sonhos que impedem a vigília. Fogem da pátria. Tinham pátria? Tinham, pelo menos, povo. Porque as pátrias surgiam num momento e apagavam-se noutro. Os povos, não.»

Hélia Correia entrevistada por Diogo Vaz Pinto, no Sol:

«—Parece-lhe que é esse o momento que estamos a viver?
—É uma percepção que vou tendo. A de que depois de tanta abundância, desse convívio tão fraterno entre os povos do Ocidente, essa abundância chegou a um extremo que só podia gerar a sua própria decadência. Quando olho para o Ocidente hoje vejo uma sociedade em decadência. Vejo a construção da bela civilização ocidental a abater pela força do seu próprio peso. Porque há abundância a mais, estamos doentes de abundância. Não era preciso mais nada. Essa abundância seria o suficiente para que perecêssemos. Claro que a acicatar isso há este passo que causa uma vertigem de mil anos em vinte anos de cronologia e que é dado com a chegada das novas tecnologias. Isso sim provocou uma grande revolução, que é aterradora porque não é acompanhada pela matéria humana. E quando falo de matéria falo também de espírito, porque as próprias faculdades mentais não estão aptas a acompanhá-la. Ora, isto cria um rasgão tremendo nas nossas sociedades. Mas essa seria uma outra conversa, também ela muito longa.
E o que é que isto provocou?
De repente, os outros acordam. A nossa felicidade, que nos faz estragar tanta coisa, estragar a terra, estragar os alimentos, estragar tudo à força de tanto termos, é agora ameaçada pelo outro. Eu tinha aliás uma frase que pedi ao Saramago que ma escrevesse num cartão. Ele disse-me certa vez uma coisa magnífica: «O outro existe. Sou eu». Tendemos a esquecer-nos que também somos o outro. Estamos tão empolgados com a nossa caminhada, pela extraordinária beleza e comodidade do sítio a que chegámos, que nos esquecemos que outros ficaram para trás. E que os outros têm quereres, necessidades e ambições como nós tivemos. E há uma história de dominação por parte do Ocidente que cria ressentimentos recalcados, e quanto mais recalcados mais intensos são. 
De que modo entra aí a perigosa bondade dos ocidentais?
Esta coisa do ocidental bonzinho, que quer receber todos os refugiados, porque eles saíram de sítios horríveis, é uma construção típica de um teórico. Porque depois a prática da vida real desvenda o grande problema que está por trás disto, e que é este: enquanto temos a nossa casa, as nossas coisas, todo esse excedente de que nós vivemos, somos bons. Quando enfrentamos uma ameaça somos feras. E digo que somos feras porque são as feras que estão dotadas dos instintos que permitem a uma raça perseverar. E é a defesa animalesca, primordial, é o egoísmo que acorda nestas alturas. Porque, no fundo, o egoísmo é o grande motor dos grupos humanos em crise. E nós estamos a viver uma crise terrível. Pessoalmente, custa-me muito chegar a esta conclusão porque eu vivi de ideologia grande parte da minha vida. E a ideologia estrutura completamente um ser humano e fundamenta todas as suas reações, as suas palavras, as suas escolhas, e custa-me muito perder a ideologia. Mas eu quero ter a coragem de olhar e ver. E o que eu vejo é outra coisa. O que vejo com olhos nus, simples, só de olhar…»
[Sol, 28 de Outubro de 2018, entrevista completa em: https://sol.sapo.pt/artigo/631952/helia-correia-estamos-doentes-de-abund-ncia- ]

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