Pedro Mexia escreveu sobre Marca de Água, de Joseph Brodsky
«Numa noite de Inverno um viajante chamado Joseph Brodsky (1940-1996) chegou a Veneza. Poeta russo exilado nos Estados Unidos, futuro Nobel da Literatura (em 1987), Brodsky usou o primeiro salário que ganhou na América para cumprir o sonho antigo de conhecer a Sereníssima República, que imaginava paradisíaca. Essa visita de 1972, aliás de contornos esquivamente amorosos, não lhe frustrou as expectativas. E a partir daí Brodsky passou todos os anos uma parte do Inverno em Veneza.
O cheiro a algas geladas foi a primeira sensação que o impressionou, porque lhe lembrava o Báltico, que por sua vez lembrava um poema de um grande poeta italiano, Eugenio Montale. Depois, anos após ano, o visitante guardou outras imagens, “(…) as rendas de mármore, os capitéis, as cornijas, os relevos e as molduras, os nichos habitados e desabitados, os santos, os ausentes, as donzelas, os anjos, os querubins, as cariátides, os frontões, as balaustradas”. E os becos empedrados e labirínticos, as janelas em arco iluminadas, os leões, a laguna e as gôndolas, as esplanadas e os palácios, o barroco e a mitologia, a “nebbia” e a “acqua alta”. Embora se dissesse mais observador do que esteta, Brodsky sugere que talvez não haja diferença entre observar atentamente a beleza e dela ser devoto. É por isso que “Marca de Água” (1992), livro “sobre Veneza” como diz o subtítulo, se distingue de uma monografia. Escrito a propósito de uma cidade concreta, é na verdade a concretização, universalizável, de uma ideia de beleza.» [Pedro Mexia, E, Expresso, 24/2/2018]
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